terça-feira, 19 de abril de 2016

12.29 - Bálcãs - Pensamentos soltos

1. Continuam a fumar muito na Europa. Há interiores de casas, bares e quartos de hotel onde o cheiro de cigarro está tão impregnado que não adianta manter a janela aberta. Ficamos - depois das intensas campanhas dos últimos anos aqui no Brasil - com muita dificuldade de lidar com esse odor.

2. Está na moda servir água em copos de vidros coloridos, cada um de uma cor. Outro detalhe: a água natural é servida - nos restaurantes - em jarras e é de graça. Só se paga água em garrafa. Mais: a água da torneira, mesmo a do banheiro, é potável. Não há nenhum mecanismo de filtragem de água nas casas.


3. Não se toma leite quente no café da manhã em nenhum país visitado. Café quente com leite frio! Na França, e confirmado com filme - se toma café em bowls e não em xícara ou caneca. Questão de cultura!

4 . Os mosteiros da Sérvia  lembraram muito os da Romênia, apesar da Romênia ser latina e a Sérvia, de eslavos do sul.

5. A Croácia tem a cultura dos cafés: estender-se ao sol de primavera, às quatro da tarde, à mesa de um terraço, sob um ombrelone, com uma xícara de café nas mãos. Felicidade concreta!

6. A divisão da Iugoslávia em 7 (?) países, a partir dos anos 90 não é um assunto resolvido. O país era formado por 6 repúblicas + 2 províncias autônomas, divididas por maiorias étnicas. A transformação das repúblicas em países: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Montenegro e Sérvia, tirou poder da Sérvia e ela reagiu a isso com as guerras que conhecemos. Então os sérvios são odiados nas outras regiões e "quase" impedidos de circular. Vojvodina permanece província sérvia e Kosovo não é uma questão resolvida: metade do mundo reconheceu sua independência em 2009 e a outra metade - inclusive o Brasil - não reconhece ainda hoje..

7. A Croácia, apesar de pertencer à Comunidade Europeia desde Julho de 2013, não mudou sua moeda de Kruna para Euro. Seria um transtorno para a economia somado a um achatamento dos salários, dizem os croatas. A Sérvia também se candidatou, mas isso não é unanimidade na população.

8. Paris não é caro para comer (por 20 euros se come num restaurante normal), nem para se vestir. O grande problema é transporte e moradia. Ninguém consegue um apartamento em Paris adequado ao seu salário e as exigências burocráticas são infinitas, quase inviabilizando o contrato. Kim, o filho de Olga, apesar de ter um bom emprego e seus pais terem imóvel próprio, está há um ano buscando um lugar para viver.

9. A Sérvia sempre foi um país colonizador. Na guerra de 1913 invadiu e investiu pesado contra a Macedônia, tentando aniquilar a população e sua cultura: destruiu monumentos, expulsou religiosos dos mosteiros e proibiu o idioma local.

10. Três mulheres fizeram parte dessa viagem; cada uma delas contribui de uma maneira muito especial para que - ao finalizar o relato dessa viagem - tenha partilhado com elas as melhores memórias:



Beatriz: minha sobrinha de 34 anos.  Foi sua primeira viagem internacional; assisti a cada dia as transformações que uma experiencia dessa nos traz. Destemida e parceira, convivemos momentos muito especiais.
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Anoitecer no Arco do Triunfo - Paris
Edna e Beatriz


Olga: Olga é de nacionalidade sérvia por família. Teve status de refugiada a maior parte de sua vida. Seus pais fugiram da Sérvia com a instauração da República de Tito e Olga nasceu na Itália. Depois veio para o Peru, Bolívia e finalmente Brasil. Diz que foi minha vizinha em Capão Bonito quando eu tinha 3 anos, embora eu não me lembre dela. Aos 19 anos, mudou-se para Paris, fez faculdade de psicologia, casou-se com Peter e teve dois filhos: Kim e Allan. Voltou ao Brasil em 2014, quando nos reencontramos e combinamos esta viagem.

Olga nos hospedou em sua casa, nos pegou e devolveu ao aeroporto e foi nossa guia por toda a Paris. Gratidão imensa.




Andjelka: Andjelka é Sérvia e vive em Belgrado. É artista plástica e mosaicista premiada. Esteve no Brasil em 2013 e deu aulas de mosaico para Jane Jordão, minha amiga e professora de mosaico. O triangulo estava feito e quando decidi ir até os Bálcãs, fiz contato com ela. Uma pausa em suas atividades tornou possível que ela fosse a nossa guia por toda a Sérvia. Estar com ela nos permitiu acesso a lugares remotos, únicos que, sozinha jamais teria vivenciado.

Edna e Andjelka catando rochas para mosaico no Monte Goč.


11 - Custos: Viajei na pior época, com câmbio muito desfavorável. O processo politico empurrou o real para baixo.  Comprei o euro a R$ 4,36 reais; hoje 1 Euro = 3,60, diferença de quase 20%.
Gastei entre transporte, alimentação, hotel, guia, passagens aéreas o total de 3690,61 euros. Muitas coisas foram gastas comigo e Beatriz conjuntamente. Em presentes, gastei cerca de 500 euros. Vou olhar o blog da Turquia de 2 anos atrás e comparar.

12 - Porque os Bálcãs? Porque não é a primeira opção turística de brasileiros ( não encontramos nenhum, nem na Sérvia, nem na Croácia!), porque tinha poucas informações da região; porque gosto de viver as cicatrizes das guerras na pele da população (foi assim na Irlanda, na Romênia e agora na Sérvia), porque gosto de ser surpreendida pelo desconhecido... enfim, porque gosto de viajar. Para qualquer lugar.





12.28 - Bálcãs - Barbizon - onde os artistas viviam

Nunca tinha ouvido falar de Barbizon, até Allan, me convidar para conhecer, em meu penúltimo dia na França. É uma pequena vila perto de Paris com cerca de 2.000 habitantes e meia dúzia de ruas, nos limites do Castelo de Fontainebleau. Mas que ruas! São antigas, medievais e bem preservadas; como sempre foi um local de artistas e intelectuais desde o século 18, teve e ainda tem inúmeras histórias. Muitas perceptíveis nos vários monumentos e obras de arte espalhados aqui e acolá;


Boulevard principal de Barbizon



Rua de Barbizon com fachada de casa do século 18.


A cidade é contornada por uma grande floresta e muitas rochas. Floresta de Fontainebleau! Foi por ali que começamos nosso passeio. Trilhas de terra entre as árvores. O clima temperado desta região da Europa não permite biodiversidade, apenas duas ou três espécies de árvores compõem a vegetação. É por isso que Robin Hood pode morar numa floresta inglesa e ali montar o seu quartel-general. É muito fácil de andar. Para quem vive com a Mata Atlântica muito próxima do cotidiano e sabe da sua impenetrabilidade pelo emaranhado das milhares de espécies que nascem juntas, encara como uma pobreza estética essas florestas e bosques da Europa, mesmo que seja a de Fontainebleau!


Trilha com rochedo na Floresta de Fontainebleau.

Allan não conhecia o parque (esteve ali na infância, com a escola) e não havia placas sinalizando as trilhas. Então até onde ir? Ficamos sem critério algum para estabelecer uma rota. Estava agradável caminhar, temperatura de primavera com sol brando. Allan me mostrava o solo arenoso e indicava que ali havia sido um fundo do mar, por isso tanta areia.
Aprendi com ele a usar a função "panorama" de minha câmera de celular e isso foi muito legal. Já havia tentado em inúmeros momentos anteriores, mas hoje as fotos saíram perfeitas.

Foto panorâmica da trilha dentro do bosque onde as coníferas predominavam

Rochas e Coníferas na trilha de Fontainebleau.
Foi revigorante caminhar pelas trilhas arenosas; Allan fala pouco inglês e eu, quase nada de francês. Conversação muito básica e muitos momentos de silêncio. Por fim, sem saber onde iríamos chegar, decidimos voltar pelo mesmo caminho e explorar a cidadezinha, já pressentida na chegada.

Barbizon tem ciclos históricos: o mais palpável é o século 19, onde era um vilarejo habitado por artistas: escultores, pintores, escritores... mosaicistas.


século 19 - os franceses exibem seu passado

História muito recente, quem era? Atiçou minha curiosidade
E daí haviam os mosaicos, razão do convite de Allan. Quando vi o primeiro painel exposto na rua, perto da saída do bosque, me encantei. Fiz fotos. Parei, toquei, olhei a técnica e percebi o material. Smalti! O clássico smalti italiano, fabricado em Veneza há séculos, O mesmo que ainda hoje usamos, como o mais nobre e mais caro material, Mal sabia eu que toda Barbizon é preenchida com telas de mosaicos feitos no século 19, expostas ao ar livre há muitos anos.


Mosaico e eu, sobre as rochas de um mar ancestral

O mesmo material e a mesma técnica usados até hoje.

Mosaico realizado há cerca de 150 anos, exposto ao ar livre
150 anos atrás! O mesmo material! A mesma técnica! O que era deslumbramento inicial começou a me incomodar. Que mosaico estou fazendo? comecei a me perguntar. O que no Brasil se faz em mosaico? Acabava de chegar da Sérvia, onde o contato intenso e prolongado com uma mosaicista de grande calibre já havia me despertado algumas inquietações.

A única certeza que eu tive naquele momento foi que não se podia repetir ad eternum o que já fora feito 150 anos atrás. Eu precisava reciclar alguns conceitos. Tá, não sou artista, mas uso o mosaico para me expressar, como fazia antes com os tapetes. Tem emoção e criatividade. Faltam-me a técnica e alguns fundamentos de arte e desenho. Nunca os estudei. Mas isso não me transforma (ou não deve me transformar) em uma copista, que apenas cola tesselas em uma figura pré escolhida.
É longo o caminho da inquietação.

Então, meu olhos bateram em uma escultura exposta numa galeria (proibido fotografar); já havia visto uma obra semelhante três anos atrás noutra galeria em San Gemignano (por isso é preciso viajar!). Totalmente contemporânea, consistia em manequins recobertos com materiais descartados (baterias, resto de brinquedos, engrenagens,...), dando ao trabalho uma harmonia ímpar.

- É por aí, pensei. Preciso ousar...... Preciso parar de trabalhar para melhorar meu foco na arte. Ah, eterna contradição!


12.27 - Bálcãs. Os Janissários

Desde a minha viagem à Turquia há 2 anos atrás queria comentar este assunto: a guarda de elite do Imério Otomano e a guarda pessoal do sultão: os Janissários.
Essa corporação foi criada pelo Sultão Murad I em 1383, a partir do recrutamento obrigatório de todo primeiro filho homem de cada família cristã, nos territórios ocupados pelo Império Otomano. Antes, o exercito era composto por soldados recrutados a partir das tribos turcomanas que constituíam o império. Esses soldados prestavam lealdade muito mais aos chefes de seus clãs que ao próprio sultão, criando uma situação de instabilidade militar. Foi a partir dessa constatação que Murad I concebe uma guarda especial, a partir de soldados não turcos. Esses garotos cooptados a partir da idade de 9 a 14 anos, desde a Bulgária, Servia, Croácia, Eslovênia.....eram primeiro encaminhados à casas de famílias turcas, como escravos, onde aprendiam o idioma e costumes muçulmanos.

Após esse período de adaptação, eram encaminhados à Istambul, para educação militar. As características dessa educação permitiu formar uma tropa de elite muito bem preparada e coesa que permitiu a expansão do Império Otomano pelos dois séculos seguintes. Os garotos, agora convertidos ao Islã, tinham como primeira regra a irrestrita devoção religiosa e a lealdade ao Sultão. Eram proibidos de se casar e formar família e de participar de acontecimentos na sociedade civil. Eram restritos à vida militar. Com isto, a única rede sócio-afetiva eram os colegas de corporação. Não tinham casas e viviam em barracas, com o mínimo de conforto e de bens pessoais. Com essas regras e rígida disciplina militar, foi possível construir uma sólida e eficiente corporação militar com os melhores treinados soldados da época.

Em 1575, 200 anos depois de sua criação, haviam 20 mil janissários. Esse número continuou a crescer até chegar a 50 mil ao final do século e depois de algumas variações, chegou a 135 mil em 1826. A eficiência  e fama dessa corporação era tanta, Europa a dentro, que Mozart compôs a Marcha dos Janissários. Claro, com tanta gente envolvida e tanto eficiência, a hierarquia da corporação começou a aumentar seu poder político, o que permitiu a quebra das regras disciplinares. Primeiro, começaram a ser aceitos soldados de origem muçulmana e depois, os chefes militares se envolveram em atividades comerciais, criando fortunas e poderosos laços com a sociedade civil. As portas da corrupção estavam abertas, as conspirações também.... a eficiência militar e a lealdade ao sultão foram postas à prova. Tornaram-se forças políticas conservadoras e opositoras às reformas necessárias à modernização do estado otomano.


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/c/c3/Battle_of_Vienna.SultanMurads_with_janissaries.jpg/230px-Battle_of_Vienna.SultanMurads_with_janissaries.jpg
Gravura de Batalhão de Janissários do sec XIV.
Em 1826, durante o reinado de Mahmud II houve uma revolta dos Janissários: o Incidente Auspicioso. Numa demosntração de força, o sultão agiu rápido, dissolvendo os centenários batalhões, prendendo seus lideres; Cerca de 6 mil militares foram presos,  muitos foram assassinados e outros exilados, findando assim um ciclo militar de 3 séculos.


Gravura mostrando Janissários como guarda-costas do sultão, na Corte Otomana
Na Sérvia ouvi  o outro lado da história: o das famílias que tinham seus filhos requisitados pelo sultão. Quase 150 anos depois do fim dos Janissários, o inconsciente coletivo ou o lamento coletivo continua. Ouvi relato de famílias que amputavam mãos ou pés de seus filhos para torná-los incapazes aos olhos dos turcos.

Em todas as culturas, em todas as histórias da civilização sempre há a história do conquistador e do dominado. Sempre há as duas versões. Conhecê-las de modo amplo, multifacetado, dá um significado especial as minhas viagens.

12.26 - Bálcãs - Vinhos de Paris. E queijos. E chocolates


Passar pela França significa obrigatoriamente visitar uma Cave de Vinhos e conversar com o seu proprietário. Pedir conselhos sobre os melhores vinhos de sua prateleira. Queria muito isso, talvez minha maior expectativa da viagem: que vinhos vou trazer?

Organizei-me para isso: levei duas malas, uma dentro da outra, para caberem as garrafas, protetor de garrafas, emprestado pelo Diego Pugliese, meu parceiro de Confraria e amigo, auscultei meus desejos. depurado ao longo dos anos pelos textos ou por degustações imemoriais: queria um Chablis, um Bourgogne tinto, da melhor Pinot Noir e queira dois vinhos de Bordeuax, um de cada lado do rio. Num predomina a cabernet na assemblage, na outra a merlot.

Então atormentei a Olga, desde o primeiro momento, para me levar a uma Cave de Vinhos. Não queria vinhos de supermercado (e olha que as gondolas do Carrrefour me fazem tremer!), feitos em quantidade. Buscava os pequenos produtores e seus vinhos de boutique.

No dia da partida, Allan nos levou a uma lojinha. na pracinha de Mennecy. Seu proprietário(?), um jovem na casa dos 30 anos, havia nascido e vivido na Borgonha até os 18 anos e conhecia todos os proprietário das vinícolas e o sabor do vinho de cada uma. Um imenso prazer conversar com ele. E ele foi colocando garrafas sobre a mesa e falando de cada vinho, com a alma de quem já havia provado cada um deles. Poderia ficar ali por horas naquela conversa; teria aprendido muito.


Perdoem a foto desfocada, mas reparem na ambiance.
Se eu não soubesse que as garrafas eram pesadas e não tivesse focado meus desejos, teria me enrolado.... Pela legislação, poderia trazer 16 garrafas e 2 malas de 32 quilos. Então, tinha uma margem de escolhas. O preço? Entre 18 a 25 euros!

Decidi comprar 6 garrafas! Somadas às 2 compradas na Sérvia e 01 compradas na Croácia, teria 09 garrafas a transportar, o que significava 25 kg só em vinho. A tal mala extra estava justificada.

E o que eu escolhi?
Voilá! Minha seleção de vinhos franceses.





Bourgogne:
Tintos:
A classificação dos tintos da Borgonha, feitos basicamente com a uva Pinot Noir é Grand Cru, depois
Premier Cru. Então, estava trazendo o segundo vinho da Maison Hubert Lamy, localizado em Saint-Aubin. E era um vinho de parreiras antigas. Nada mau! Fiquei feliz com a escolha.

Nuits-Saint-Georges, uma das regiões produtoras


Gran Vin da Bourgogne


Brancos da Bourgogne : são feitos normalmente da uva Chardonnay, com aromas e sabores característicos. Cada terroir, isto é cada pedacinho da encosta da montanha produz uma uva diferente, desenvolvendo um vinho diferente. Uma das características da Bourgogne é a pluralidade de produtores para o mesmo terroir.





CHABLIS:  É o mais nobre dos vinhos brancos da Bourgogne. Feito unicamente da uva Chardonnay em uma determinada região. Diferente da região de Bordeaux, onde os grandes vinhos são feitos de assemblage de 3 ou 4 uvas, aqui, os que predominam são os varietais, ora de Pinot noir, ora com Chardonnay.



Da região de Bordeaux

Margem Esquerda
 


Assemblage com predomínio de cabernet , trouxe um vinho de Pouillac, 




















Margem Direita


Ah, meu velho conhecido e dono de muitas histórias, o Saint-Émilion!
Estive em Saint-Émilion há alguns anos atrás, talvez 2011. Estávamos de férias em Barcelona e decidimos passar o fim-de-semana na região de Bordeaux, onde Alexandre tinha morado por um tempo. Atravessamos do leste para o oeste todo o sul da França. Eta e Daiane estavam conosco. Conferi. Foi em 2009.

Passamos o sábado em Saint-Émilion. Era janeiro e ventava muito, mal dava para caminhar pelas ruas. A pequena vila medieval fica no alto de uma colina e podíamos ver as videiras recém podadas e nuas, uma igual a outra a se perder de vista.

Era um cenário marrom: marrom a terra, marrom a madeira das videiras, podadas uniformemente - um galho para a esquerda, um galho para a direita; marrom as pedras das casas, marrom o pavimento.

Lembro que demoramos para decidir almoçar e quando o fomos, toda a comida dos poucos restaurantes do local tinha acabado. Ficamos felizes porque o garçom concordou em nos servir queijo, pão e vinho.

Claro, escolhemos um Gran Cru, a supremacia dos vinhos de Bordeuax. Lembranças.... uma puxa a outra e, quando se está de férias, recordamos e tornamos a viver todas as férias de toda a vida.

No cotidiano, assoberbados pela rotina, pelo tarefismo, pelo fazer, não nos damos conta desse Patrimônio Cultural que as viagens nos trouxeram. Mas, durante uma viagem, por menor que seja, um gramado leva à outro, um cheiro remete à outro e tudo volta inteiro, nos permitindo renovar a emoção de uma descoberta.

Algumas fotos daquela viagem, para matar a saudade.








Fiquei tão empolgada com a compra dos vinhos, com as recordações de Saint-Émilion, que quase esqueço de contar da segunda parte do dia. Plenos de sacolas pesadas, tivemos de caminhar um bom pedaço até o estacionamento, guardar os vinhos no carro e seguir em frente, rumo ao Carrefour para a seção queijo x chocolate.

Chocolate, eu estava focada. Há quarenta anos atrás, a Marieta - minha amiga belga - tinha o habito de me trazer de presente ao retornar das ferias na Bélgica, uma barra de chocolate COTE D'OR, O vínculo afetivo se fez e para mim, mesmo depois de tanto tempo, ele continua sendo o melhor chocolate do mundo; Melhorou muito quando descobri o chocolate-orange, com perfume cítrico.


E o destino final, a gôndola dos queijos. Meu preferido é o Reblochon, um queijo de massa mole e odor característico, que sobre uma baguete se torna a melhor das iguarias. Meu filho, disse quando provava o queijo ainda recém tirado da bagagem
- Huhuuuummmmm, isso é melhor que sexo!

Hora de voltar para casa, fazer as malas, colocar no carro de Pierre e Olga e partir para o aeroporto. Partir é sempre excitante: uma mistura da plenitude da viagem com a saudade de casa.









segunda-feira, 18 de abril de 2016

12.25 - Bálcãs - Vinhos da Croácia

A Croácia tem um mapa estranho: um língua de terra partindo do continente e se esparramando pela costa mediterrânea, com centenas de ilhas. É nessas ilhas que chegaram as primeiras videiras, há 2.500 anos, trazidas pelos gregos, o que faz do vinho croata um dos mais antigos do mundo.
Mas não foi fácil chegar aos vinhos atuais, de boa qualidade e bem cotados no mercado e pelos apaixonados pelo vinho.

Todos nós sabemos que a Croácia fez parte do Império Otomano, cuja religião sempre fez restruções ao álcool. Como eles tinham boa convivencia e tolerencia com a Igreja ortodoxa, os vinhedos e a produção de vinhos ficou restrita aos mosteiros. pois o vinho fazia parte dos rituais religiosos. Mais tarde, no inicio do seculo 20, um inseto - a filoxera - fez um estrago imenso nos vinhedos da Europa, inclusive Croácia.


Ciclo de vida da Filoxera (Meyers, 1888).
Daktulosphaira vitifoliae - filoxera

Com a chegada do comunismo de Tito, as terras foram estatizadas e seus vinhedos transformados em cooperativas. A qualidade dos vinhos caiu muito, pois a prioridade era a quantidade.
Foi apenas há cerca de 3 décadas que os investimentos em vinificação retornaram à Croácia. Investimentos em grande parte vindos de fora, das grandes corporações viníferas que se associaram aos croatas, tal como acontece no Chile, Argentina e nordeste do Brasil.

As principais uvas locais brancas são: 
- MALVASIJA
- POSIP ( cultivadas na região da Dalmácia e na Ilha de Korkula)
- GRASEVINA ( Riesling italiana).
A produção é pequena: de 10 a 15 mil garrafas por ano.




As principais uvas locais tintas são:
- TERAN, cultivada na Istria
- SANSEGOT - cultivada na Ilha de Kurk
- PLAVAC MALI,  a mais emblemática e conhecida uva tinta da Croácia. 

Os croatas nos contam com o maior orgulho que a ZIRFANDEL,  a uva tinta  mais cultivada da América do Norte tem origem croata e do cruzamento da ZIRFANDEL X DUBRICIC, nasceu a PRAVAC MALI.

Minha experiencia com os vinhos da Croácia foi pequena e não incluiu visita a nenhuma vinícola. Não houve tempo para tanto.... foram 5 dias, incluindo chegada e partida. Mas a sorte sempre está ao lado dos apreciadores de vinho como eu: na mesma calçada que nosso hotel, cem metros à frente encontramos a Vinhoteca Bornstein.



Ela funcionava também como wine bar. Era uma casa antiga com paredes de pedra e a loja e bar funcionavam no subsolo, onde uma fina seleção dos melhores vinhos da Croácia estavam expostos.


Vinhos croatas da Vinoteca Bornstein

Cave e Wine bar



Degustação da uva branca Prosip


Qual escolher entre tantos rótulos?

Claro, havia os tradicionais: cabernet, merlot, chardonnay junto às uvas autócotnes. Nem sei dizer da proporção. A impressão que tive, embora muito superficial, foi que a PLAVAC MALI era o vinho mais consumido.

Era um fim de tarde quente, havíamos caminhado quilômetros ao sol. Também a gastrite ardia no meu estômago, pedindo moderação. Beatriz, depois da farra alcóolica na Sérvia, tinha voltado para a água. Então, qual escolher entre tantos rótulos?

Optei por começar pela uva branca: a Prosip!
Segundo as informações do blog winesfcoratia.wordpress.com, "esta é uma uva nativa da Ilha de Korcula, embora seja cultivada em outras regiões da Dalmácia, ao longo da costa adriática. Prosip tem cachos longos com grãos ovais, de casca fina. Os vinhos produzidos com Prosip são bem encorpados, com teor alcoólico de médio a alto, textura viscosa e notas de peras, figos, ervas mediterrâneas, flores silvestres e mel".  Os principais produtores desta uva são: BiBich, Grgic, Jako Vina-Stina, Korta Katarina, Kunjas, Toreta e Ziatan Otok." Copiei direitinho....

Havia degustado a Prosip da Kunjas! A noite começava bem... No Brasil, a Decanter importa da Korta Katarina; uma rápida olhada no site e eles tem apenas um Plavac Mali 2007 pelo custo de R$ 491,40! 

Com essa lista de produtores na mão, dei uma olhada na lista de vinhos do restaurante italiano que havíamos jantado na noite anterior:



Pois é, como sempre acontece nos lugares turísticos, os melhores vinhos não estão nos restaurantes disponíveis para quem acaba de chegar. É preciso garimpar mais e a Vineria Bornstein era o local adequado a esse garimpo.

Saí de lá com uma garrafa de Plavac Mali, escolhida pela estética do rótulo para trazer ao Brasil. Só uma. Vinhos são gadgets pesados. ....







12.24 - Bálcãs. Éric Boëda


Eric Boëda é o chefe da missão francesa na Serra da Capivara - Piauí desde 2008. Apesar de ser médico , fez mestrado em Antropologia e depois doutorado em etnografia. Hoje é professor da Universidade Paris X - Nanterre.

Sua especialidade são os artefatos líticos (pedras lascadas) produzidas por civilizações muito antigas. Trabalhou na França, Argélia, Ucrânia, Mali, Síria, China e - desde 2008, faz escavações na Serra da Capivara - Piauí.

Havíamos marcado uma conversa com antecedência aqui no Brasil. Queria entrevistá-lo para o meu trabalho de pesquisa do Parque Nacional da Serra da Capivara. Ele foi convidado por Niéde Guidon para dirigir a missão franco-brasileira na Serra da Capivara.

Ele nos recebeu em seu escritório na Universidade Nanterre, numa fria e quase chuvosa manhã de março. Chegou ofegante ao terceiro andar e precisamos de algum tempo até que sua respiração normalizasse.Somos contemporâneos e sua figura de cabelos fartos e encaracolados, óculos redondos, uma silhueta arredondada, a principio não dizia nada do seu humor.


Começou falando da política francesa dos anos 60 e 70 era de acolhimento a todos a todos os refugiados políticos de toda a América Latina, àquela época, vivendo regimes ditatoriais duríssimos.
Então, brasileiros, chilenos e uruguaios encheram as universidades francesas; Niéde Guidon e Anne-Marie Pessis entre elas.

Depois falou de seus achados na Serra da Capivara e da coincidência das conclusões de outros sítios arqueológicos da America do Sul: Santa Elina, no Mato Grosso, outro em Goiás, Vale Verde, no Chile....outro no Peru. E fez uma frase de efeito:
- Que houve uma civilização há 25- 30 mil anos atrás, não só na Serra da Capivara, mas em toda a América do Sul, não resta mais dúvidas. A grande questão que se coloca a partir de agora é - quem eram eles?

Boëda escavou 4 sítios arqueológicos na Serra da Capivara: Sitio do Meio (1998), Toca da Peia (2009), Tira Peia (2012) e Vale da Pedra Furada em 4 campanhas, desde 2011, donde coletou material que embasou suas conclusões e publicações.

Quando lhe perguntei sobre o destino do trabalho na Serra da Capivara, na era pós Niéde, ele se mostrou muito pessimista:
- Não há dinheiro para a continuação das pesquisas; A FUMDHAM não tem recursos, o ICM-Bio também não. Ficará um trabalho muito pequeno e isolado.

Mas ele é otimista quanto à arqueologia no país.
- Tenho alunos que vieram estudar comigo aqui na França e hoje estão em várias Universidades espalhadas pelo país. Meu projeto é integrar todas as pesquisas num grande Centro Nacional de Pesquisas, no modelo existente aqui na França.

- E o senhor se coloca como o coordenador desse projeto, perguntei
- Oui!

Só restava tirar a foto e lhe entregar a cachaça de Parati como presente. Claro que seus olhos brilharam,  Para em seguida reclamar que não encontrava limão Taiti; disse que quando usava o limão siciliano o gosto mudava completamente.

Olga, minha interprete na conversa, que conhece tudo sobre Paris, ajudou:
- Você consegue encontrar esse limão na feira antilhana, aqui em Paris.

Voilá! agora é trabalhar para dar consistência ao texto, prometi a mim mesma. 

Edna Bugni e Eric Boëda na Universidade de Nanterre - Paris.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

11.23 - Bálcãs - Um dia em Paris. Na cama

Pode-se estar em Paris e querer ficar na cama porque, naquele momento, é o melhor lugar do mundo. Fiquei. 
Acordei tarde, tomei café (croissant et brioche) e voltei para a cama. 
Beatriz e Olga foram para Paris de trem. Olga mora em Mennecy, uma charmosa cidade perto de Paris. Olga queria mostrar para Bia a Torre Eiffel e Montmartre. Abri mão do passeio. Andar por andar não me entusiasmou nesta manhã.

Melhor olhar o gato se lamber.



Era mais que meio-dia quando fui pro banho . Banho de banheira com água quentinha e sais de lavanda. Sem pressa.

Sai com Allan, filho da Olga, para comprar um cabo para meu IPad que parou de carregar no meio da viagem. Não resolveu. O cabo carrega no IPhone, mas não no IPad. Não sei onde está o problema nem se ele pode ser resolvido. Coisas pra deixar pro Brasil.

De volta, temperatura por volta dos 17 graus , um sol miúdo, voltei para a cama. Conversei com o Brasil e soube da onda de calor que está torrando em pleno outono.

Agora, oito da noite espero as meninas voltarem da rua para saber dos acontecimentos.

A situação política do Brasil me assusta , é um momento muito doloroso para mim. Ideias pelas quais lutei e dei significado por toda uma vida se esfarelam ao vento do oportunismo conservador.

De novo , andando para trás.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

11.22 - Bálcãs - Mico, sempre há de haver algum

Até agora, tudo certinho, à beira da perfeição. A exceção de alguns ambientes que cheiram a cigarro (fuma-se muito na Europa em ambientes fechados), tudo é lindo, maravilhoso, fantástico. ‼️

Hoje é o dia do começo da volta. E começou bem cedinho, em Rovinj, quando Sendi - a dona do apartamento que alugamos, apareceu as 5:30h para nos levar para a rodoviária.

Chegou o ônibus das 5:50h direto para Zagreb. Não era o nosso. Tínhamos feito a opção por uma viagem mais longa porque seria estúpido ficar das 8:30h até 15:30h olhando para as malas no aeroporto , pois com bagagem pesada, a mobilidade se anula.

O ônibus se atrasou. 10, 15 minutos, meia-hora. Começamos a perceber que alguma coisa estava errada. Fomos checar as passagens e percebemos a bobagem que tínhamos feito: nosso ônibus partira as 4:40h, uma hora antes!

Horário do ônibus perdido; apenas nós não vimos

E agora?
Dia clareando, rodoviária vazia e fria... o que fazer ? Pergunta daqui, pergunta dali, concluímos que a melhor estratégia seria pegar o ônibus de 6:45h para Pula, cidade a 30 km e daí tentar chegar a Zagreb. Tínhamos tempo, mas não tínhamos mais dinheiro em Kunas - a moeda local. Todas as portinhas que fazem câmbio (e elas são centenas) estavam fechadas.

Conseguimos pagar em euros. Ufa! Bem, finalmente a viagem de volta começava...

Pula continua sendo um destino turístico de verão; na placa da rodoviária vimos que ela recebe ônibus de Munique, Viena, Padova, Veneza e Trieste, da Itália; de Lubliana, capital da Eslováquia, de Sarajevo e Tuzla, na Bósnia...

Alegria. Seria possível pegar um ônibus para Rijeka e 15 minutos mais tarde, outro para Zagreb.


Como a história da cobrança da bagagem não tinha ficado esclarecida e o ônibus estava vazio, subimos com todas as malas.

No problem!

O que tinha começado como um desastre tornou-se uma das mais belas paisagens. Essa rota contorna todo o Mediterrâneo, com a mesma geogr da famosa Costa Amalfitana, no sul da Itália. Os mesmos penhascos brancos e ingremes, as curvas sinuosas, o azul quieto e antigos desse mar de 10 mil anos de civilização.

A melhor surpresa do dia!

Visão por trás do vidro do ônibus da costa croata

Foco à parte, visão do Adriático

Chegamos a Rijeka pontualmente. Trocamos de ônibus e embarcamos. Mala no bagageiro paga. Assunto confirmado e encerrado. Preço? 10 kunas por peça! A metade do que haviam cobrado na viagem de ida!

Chegada prevista às 13 horas em Zagreb

Dentro do ônibus, a chuva começa forte. Estamos indo para o interior do continente. Devemos chegar a 13:30 a Zagreb; a cafa meia-hora há ônibus para o aeroporto.

Tabela da Rodoviária de Zagreb - horários de ônibus para o aeroporto
Deve dar tempo. Viajaremos para Paris pela Air Croácia, shared Air France. Tenho o e-mail com o número do ticket. Deve ser suficiente para embarcar.

Conto depois.

Horários redondinhos a viagem toda. Era sair de um ônibus, tomar um pouco de chuva, entrar em outro, esperar 5 minutos e partir. Foi uma sucessão de saídas, chuvas e entradas até o aeroporto. Lá 8 euros por 01 garrafa de 500 ml de água!
Tudo bem, comprei - num impulso - o macaquinho listrado, um brinquedo que vinha namorando para o João desde Rovinj e entrei no avião.

Paris nos espera.

11.21 - Bálcãs - Alguma coisa estranha aconteceu!

Cedinho na terça-feira o táxi pegou no hotel e nos deixou na Rodoviária de Zagreb. Passagens compradas anteriormente; embarcaríamos para Rovinj, uma pequena cidade do Mediterrâneo que - nessa parte entre o leste da Itália e a costa croata recebe o nome de Mar Adriático.

Viajamos pela empresa Autotrans, ônibus nem muito confortável e antigo, sem banheiro, wi-fi ou água.

O que foi muito estranho é que o motorista informou que deveríamos pagar 20 kunas (10
Reais) por cada mala colocada no bagageiro ! Ninguém havia falado isso, nenhum blog, nem o site da empresa, nem a vendedora de passagens.

Espanto!

Cheirou alguma coisa ilegal. Ele nos deu um papel como comprovante, escrito em croata, e não aparecia o valor pago.

Mas como brigar numa língua que você não compreende? Como duvidar do comprovante que ele me entregou se eu não compreendia uma letra do que estava escrito?

Fiquei mal a viagem toda com a sensação de estar sendo roubada.

Chegando na rodoviária de Rovinj tivemos de marcar a passagem de volta. Perguntamos sobre a taxa das malas. História confirmada pela metade, deveríamos ter pago 10 kunas por mala.
- Mas pagamos 20 kunas por cada, contra-argumentei.

A funcionária nem ficou vermelha. Enrolou e ficou por isso. Mais que isso, pagamos mais 7 kunas cada uma só para reservar o número do assento.

Vá entender como isso funciona!

O que é importante apontar é que mesmo uma funcionária de rodoviária de uma microcidade de 2 mil habitantes como Rovinj falava ingles. Aqui no Brasil, nem na rodoviária de São Paulo encontramos isso,

É a tal diferença.

11.20 - Bálcãs - Cerâmica Sérvia

Lembrei de uma frase que Tadeu me falou numa noite em Kuala Lumpur, muitos anos atrás:
- Algumas pessoas quando viajam, deixam o cérebro em casa!
Claro, o contexto era outro, mas aplica-se muito bem agora.

Então, meu cérebro ficou em casa pois desde que cheguei à Sérvia estava atormentando a Andjelka porque queria conhecer uma cerâmica artesanal.

Tanto insisti que hoje, depois de conhecer o Mosteiro de Giza, encontramo-nos com Liliane, a mãe dela para uma viagem duns 100 km até o vilarejo de Zlakusa onde todas as casas fazem um estilo de cerâmica que são vendidas em quiosques na beira da estrada.

Quiosque para venda de cerâmicas em uma loja no vilarejo de Zlakusa


Sem cérebro para o saudável pros e contras, fui montando um set de pratos, mais uma coisinha aqui e ali.

decoração característica da cerâmica de Zlakusa


Ainda bem que as xícaras pintadas em tom pastel eram muito caras. Desejo contido e amordaçado, como manter intacta tanta delicadeza com tantos voos pela frente?

Será que não deveria ter comprado?
As alças, tão frágeis, poderiam quebrar nos muitos abrir e fechar malas. Afinal ainda temos Zagreb, Rovinj e Paris, tudo por nossa conta e usando transporte público.
E essa?

Pote dos Desejos para fazer Barreado na Casa das Hortênsias
Ficou como inspiração para a Casa das Hortênsias.