domingo, 30 de setembro de 2012

3.5 - Um domingo de vinhedos

O domingo amanheceu frio e nublado e às 9 horas descemos para entrar numa van pré-contratada a caminho de uma rota de vinhedos. Nossa informação veio dum bem cuidado guia brasileiro sobre as vinícolas chilenas.

Escolhemos uma rota que envolvesse um par de vínicolas em uma mesma estrada:
Viña La Montaña
Viña Heuquén
Viña Santa Rita
Viña Concha y Toro.

O que nós enoturistas precisamos compreender que uma viña é um empreendimento comercial e - normalmente fecha aos domingos. Apenas as grandes mantêm um serviço de visitação nos fins-de-semana.
Acredito que em todo lugar é assim, na Argentina era e na França também. Então, se propor a visitar vinícolas no fim-de-semana é encontrar (muitos) portões fechados.

A Viña Heuquém me interessava pois além de ser um vinhedo orgânico, produz o único amarone (vinho de uvas desidratadas) do Chile. Impossível pois nem atenderam o telefone da reserva e também estavam d e portas fechadas.

Sobrou a Concha Y Toro e a Viña Santa Rita, as duas maiores do Chile com produção de mais de 2 milhões de litros por ano cada uma. O Chile é loteado por Vales e - em cada um - uma espécie de uva de adapta melhor. No Vale de Casablanca são as brancas e a Pinot Noir no Vale do Maipo, a Cabernet Sauvignon, no Vale do Rapel, a Carmenère e a Syrah e por aí vai......

Não gostei do tour na Concha y Toro, caro e superficial e vinhos de degustação de baixa qualidade. Na Viña Santa Rita, a visita foi em português, com mais detalhes e a degustação, dos vinhos premium da casa. terminamos com um almoço no restaurante da fazenda com sabor da história do envolvimento de Doña Paula, a proprietária da fazenda na época da Guerra Civil pela Independência. Um de seus vinhos - o 120 - leva esse nome devido ao fato da fazenda ter abrigado e cuidado de 120 soldados feridos do exército rebelde.


3.4 - "El Asado"

Lourdes queria inaugurar seu terraço em Las Condes com um "asado", um churrasco.

Ela e Tolovi foram até o supermercado e compraram a carne, um "asador" de origem chinesa e pernas mancas, além dos acompanhamentos. Junto com o asador acompanhava o kit um assoprador cuja manivela era de plástico e eu, no ímpeto de ajudar, acabei quebrando. Claro, fiquei desconsolada, afinal era uma convidada.

O vinho foi farto e bom, o que é um privilegio, estando no Chile. Começamos com um Pinot Noir, da Vi"na Lamas......, despois um Cabernet Sauvignon, da Viña Los Vascos e por fim, EPU, da Almaviva!  Bom demais!

Haviam velas acesas por todo o terraço criando uma atmosfera que faz com que os convidados se sintam bem-vindos. A conversa fluía solta cada vez mais, com o vinho generoso que ocupava nossos copos.

Bela noite!
Obrigada ao casal que nos acolheu com tanto carinho.

sábado, 29 de setembro de 2012

3.3 - Europeo

Europeo é um restaurante de alta gastronomia (o que significa preço alto também) em Las Condes.

Ontem fiquei sabendo que Las Condes não é um bairro de Santiago, mas uma cidade grudada em Santiago com autonomia administrativa e prefeito a ser eleito nas próximas semanas.

O Europeo fica numa casa térrea, com inúmeras  saletas, onde a parede foi recortada até um metro de altura. As toalhas saão brancas e a louça também. Música ambiente imperceptível, (todo mundo na mesa percebeu a música, menos eu) que não atrapalha a conversa.

Carta de vinhos dumas seis folhas, distribuídas por tipos de uvasç assemblages poucas, não chega a dez. Queria experimentar todos.

Cardápio bem cuidado com Menu-degustação ou entradas e prato principal. Comida bem feita, apresentação cuidadosa, porções honestas.

Eu pedi abalone de entrada e depois Mero (peixe). Eta e Lourdes comeram risoto de centolla, Claudia, atum grelhado e Tolovi, um cordeiro...... O vinho foi uma assemblage de 75% de syrah e 25% de cabernet, da Viña La Bisquert.

Preço? R$ 200,00 reais por pessoa!!!!!! 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

3.2- Santiago. Barrio Bela Vista

Por ser uma capital de país, isolado é certo, Santiago nunca é objetos dos meus desejos turísticos. É apenas um lugar de chegada e de partida. Há lugares interessante, por certo, mas nada que deslumbre, que tire o fôlego.

Desta vez decidimos explorar o Barrio Bela Vista, o equivalente à nossa Vila Madalena, em menores proporções. Encravado entre o Rio Mapocho e o Cerro de San Cristobál, é um bairro pequeno com meia dúzia de ruas charmosas, repletas de ateliês, bares e restaurantes. Ainda é um bairro horizontal de casas velhas dos anos 50 e 60 do século passado, muitas com pinturas grafitadas em suas fachadas. H´´a um toque artístico nos detalhes, nas calçadas, nos lustres.....

Bares, bares e bares para os turistas, para os santiaguinos e para as centenas de estudantes que estudam na universidade do bairro. Ocupando um quadrilátero razoável, está o Patio Bela Vista, um espaço de lojinhas e bares charmosos. Ali também se concentram as lojas de artesanato chileno. Muita jóia em prata e lápis-lazuli, uma bela pedra azul exclusiva do Chile e do Afganistão (ah, viajando a nossa cultura de alfinetes se amplia tanto!), de bom preço e qualidade e também objetos em cobre. O resto é bobagem, porcarias para turista levar de lembrança, só para lembrar (ou exibir) que esteve lá.

Quase no fim do bairro, numa rua sem saída esta La Chascona, uma das casas de Pablo Neruda (ele teve quatro casas no Chile!) que ele construiu para viver seu amor com Matilde Urrutia, seu último casamento. É uma casa com muit apersonalidade, feita por alguém criativo, que sabia exatamente o que queria. Lamentavelmente, no dia seguinte ao golpe militar que arrasou o Chile em 1973, a casa foi invadida pelos militares. Agredida, destruída, inundada, queimada..... Neruda não suportou a  dor e morreu uma semana depois.

O Cerro San Cristóbal é uma pequena colina, com uma vegetação rala, própria da Cordilheira. É o segundo pontomais alto da cidade. Em seu cimo há uma imagem de La Virgen da Imaculada Conceição, donde se chega de funicular. Atualmente está em reforma e fechado, e decidimos nao enfrentar o acesso. Fomos até o Zoológico (formado por animais resgatados aqui e ali), mas a vida lá fora estava muito mais interessante que os bichinhos ex-maltratados..... Se o funicular funcionasse, e nós conseguíssemos chegar ao topo, além de ver a vista da cidade, pedir as bençãos da Virgen, iríamos tomar um teleférrico (sera que teria coragem) e por cima dos cerros, chegar a outro bairro, outro destino.

A gente planeja e nossos passos desfazem a intenção. É isso férias de vagar sem restrições!

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

3.1 - Andes. Viajandes.

Voltar ao Chile pouco mais de um ano depois é se propor a conhecer novos caminhos e rotas. Viajo com Cláudia, a sobrinha primeira. Acabei de descobrir que ela odeia frutos-do-mar, objeto dos meus desejos. Viajar também é compartilhar diferenças....

Roteiro ainda em aberto, alguns planos.... Ficamos em Santiago por quatro dias em casa de Antonieta, a minha casa fora do Brasil onde quer que ela esteja e depois queremos ir rumo ao Sul, ate a Região dos Lagos.

Voamos pela Lan Chile, parceira e - acredito - comprada pela TAM meses atrás. A rota é interessante: vamos para sudoeste ate Foz do Iguaçu, depois Córdoba (ah, Córdoba da maravilhosa cerveja em frente a Universidade), depois Mendoza....... até Santiago. A mesma rota feita de carro junto com o Alexandre há 18 meses atrás.

Viaja conosco o time de futebol de La Universidad del Chile, que ontem jogou com o Santos ( e perdeu!). Claudia ficou acesa, tirou fotografia e pediu uma camisa a um jogador:
- é la unica que tengo!, foi sua resposta.

O que é sair de férias nesse momentopara mim, me pergunto desde que sentei no avião. É um tempo de olhar-se para dentro enquanto se olha para fora, para novos lugares. É um afastar-se do cotidiano para conferir se as mesmas verdades ainda estão valendo..... Abstrair-se do tédio e saber das novas possibilidades, novos desejos, novos desafios.

Ter a Cláudia comigo também é um resgate afetivo, um tempo para nós duas que vivemos tão distantes. Tudo a conferir... boas expectativas..... que venham os Andes com seus picos nevados, seus vulcões e lagos, seus vinhos......

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

2.18 - Caatinga

Precisa-se de algum tempo para compreender a Caatinga. 

A palavra de origem indígena  significa Mata Branca. Tem uma beleza incrível  e ao mesmo tempo profundamente hostil, principalmente para uma pessoa como eu, criada em meio à Mata Atlântica. 

Homens e animais domesticados não deveriam viver na Caatinga. Não dá! Não tem solo fértil para plantar, não tem comida, não tem água .. Fazer o que em terra tão inóspita? 

Gisele Daltrini Felice, arqueóloga da FUNDHAM e professora da UNIVASF discorda da minha reflexão. Acha o desafio da sobrevivência em terra inóspita, a adaptação que homens, flora e fauna fazem para sobreviver algo magnífico e extraordinário.

- Ser Mata Atlântica é fácil, está cheio de água; difícil é ser Caatinga, refuta.

Há dois anos não chove aqui. Isso se incorpora na pele das pessoas; encaram como natural esperar mais quatro meses pela chuva. 

Hoje viajei quase seis horas pelo sertão do Piaui, para desviar dos 80 km. de estrada de terra percorridas durante a viagem de ida até São Raimundo. Foram seis horas pela Caatinga, debaixo do sol inclemente e céu sem nuvens. Vi vacas magras comendo pau seco para matar a fome; vi muitas cabras lambendo a terra nua, em busca de algum broto. Pequenos quadrados de terra nua e aradas esperam há dois anos pela chuva para se jogar as sementes no solo. 

Alguma coisa andou: todas as casas na beira da estrada exibem no terreiro uma grande cisterna para armazenar água  Não sei como funcionam, sua autonomia nem a qualidade da água. Tem também uma pequena placa solar que fornece energia, algumas lâmpadas para alumiar a solidão.

Descobri depois sobre as cisternas: elas foram implantadas pela CARITAS,  uma organização católica ligada a CNBB - Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, dentro do Programa " Um milhão de cisternas". Elas são construídas em concreto, com capacidade de 16 mil litros e captam toda a água da chuva que escorre pelo telhado. No tempo de seca, a prefeitura abastece as cisternas junto com pastilhas de cloro para tratamento da água.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

2.17 - Motos

Nesse novo Brasil, nesse novo Nordeste pós Lula, pós bolsa-família, a miséria  aquela tragedia retratada na literatura por José Lins do Rego, por Guimarães Rosa e, principalmente, Graciliano Ramos não existe mais. 

Aqui em São Raimundo Nonato há um plus a mais: o Parque. Com 20 anos de existência  e tendo como estratégia de preservação, o desenvolvimento das comunidades do entorno, trouxe uma vida econômica impensável antes dele.

Junto com o Parque, vieram pesquisadores internacionais, duas Universidades públicas, uma federal (Universidade do Vale do São Francisco) e outra estadual (Universidade Estadual do Piauí). Vai se criando na cidade um saber erudito relacionado às atividades arqueológicas e paleontológicas. 

A cidade se transformou visceralmente nestes anos. Prova disso são as motos. Muito, mas muito mais numerosas que carros, faz com que os palácios das concessionárias sejam da Honda e da Yamaha. 

Aqui os motociclistas são descuidados, velozes e sem-lei; provocam grande número de acidentes. Poucos usam capacete e é normal ver uma família - o homem na frente, a criança no meio e a mulher, atrás sem nenhuma proteção. Acreditam na sorte e na habilidade...

Minha guia, que também é recepcionista do hospital me assusta com as estatísticas de morte de jovens por acidentes de moto. Estou tentando entrar no site do IBGE para confirmá-las. Quando conseguir, posto aqui.

domingo, 9 de setembro de 2012

2.16 - Niéde Guidon

2.15 - Cerâmica da Serra da Capivara - um modelo de sucesso


A cerâmica da Serra da Capivara criada em 1994. 
Hoje ela é considerada em todo o país um exemplo de projeto pioneiro de empreendedorismo sustentável, ao aliar empreendimento econômico, inclusão social e proteção ambiental, empregando cerca de 36 famílias do bairro do Barreirinho -São Raimundo Nonato nas oficinas de cerâmica e outro tanto nas cinco lojas, sendo uma em Terezina. 

O Barreirinho, é pouco mais que uma praça central onde se destaca a igreja rodeada por casas simples nas laterais, com grandes árvores frondosas onde a sombra oferecida é sempre um alívio para o forte calor, tem um visual que há muito perdeu seu ar miserável: casas de tijolo, antenas parabólicas, motos estacionadas sob a sombra. 

Cada trabalhador da cerâmica recebe uma renda de um a dois salários mínimos dependendo da produção. O ceramista Soichi Yamada, de São Paulo, a convite da FUMDHAM  passou – no ano de 1994 – seis meses no Parque procurando a melhor argila e treinando a comunidade do Barreirinho nas técnicas de cerâmica. O desenho das pinturas rupestres encontradas no parque define o estilo dessa cerâmica. Elas são desenvolvidas nas cores: azul, verde, bege, branca e marrom, pois são os pigmentos com ausência de cádmio e chumbo, permitindo a fabricação de peças bicolores, onde o branco sempre faz contraste com as outras três cores, de uso utilitário e decorativo, resistente ao forno e ao micro-ondas. São queimadas em fornos a gás, de alta temperatura, evitando o uso da lenha e diminuindo a pressão por desmatamento.

Hoje a Cerâmica da Capivara produz cerca de cinco mil peças por mês, mas a produção é variável dependendo das encomendas e é vendida a clientes fixos ou nas grandes feiras país afora. Para os grandes clientes foram desenvolvidas coleções exclusivas: Caras do Piauí, para o grupo Pão de Açúcar; Coleção Folha, para a Tok & Stok; Coleção Marco 500 – para a empresa do mesmo nome, em São Paulo e a Coleção BHCBrazilian Home Collection para a empresa americana BHC, de New Jersey que busca valorizar artesanato ecológico para consumidores dos Estados Unidos e Canadá.

2.14 - Parque Nacional da Serra da Capivara - superlativo

O Parque Nacional da Serra da Capivara, no sudeste do Piauí foi criado em 1976, após um grande trabalho de pesquisadores que encontraram centenas de sítios com painéis de figuras rupestres em expedições patrocinadas pela França entre os anos 1973 a 1975 e capitaneados por Niéde Guidon. 

São 132 mil hectares que se unem, por um corredor ecológico  ao Parque Nacional da Serra das Confusões (lindo nome!). 

Foram catalogados quase mil sítios arqueológicos e - atualmente - há 172 sítios preparados para visitação.  Legal saber (e ver de perto) que 17 deles permitem acesso aos portadores de necessidades especiais. 

Tudo tem a mão de Niéde Guidon, cada detalhe, cada ação, cada pedaço de estrada, cada decisão de escavação.  Me espantei por não encontrar biografia alguma dela nas lojinhas do Parque. 

Só se entra no Parque com guia e há três associações deles: duas em São Raimundo Nonato e uma, em Coronel José Dias, onde está a entrada do PARQUE. Eles cobram R$ 75,00 por dia e ficam disponíveis para te acompanhar. Normalmente eles escolhem os sítios a serem visitados levando em conta a idade, forma física do turista e horário do dia. Alguns sítios ficam à sombra pela manhã e outros, à tarde. 

Minha guia, Cida Pereira, considerada uma das melhores, tinha 50 anos e é técnica em Paleontologia. Informou que a maioria dos guias tem nível universitário,  principalmente em cursos relacionados ao Parque, mas a experiência conta muito também. 

O Parque contém formações rochosas imensas de arenito, divididas em quatro serras: da Capivara, Vermelha, Serra Talhada e Serra Branca. São as CUESTAS! Pela ação do tempo, da água de um rio que existiu aqui no passado e do vento, as rochas foram escavadas e usadas como abrigo. As TOCAS. Nessas tocas, homens primitivos desenharam figuras rupestres, principalmente com Óxido de Ferro, que lhes dão uma cor vermelha. Na região, os nativos chamam esse grão de TOÁ.

A datação dessas pinturas é de mais de 11 mil anos!! 

Nas escavações foram encontrados sinais de atividade humana (fogueiras e ferramentas feitas de pedra lascada) há 50 mil anos atras!!! É o homem mais antigo das Américas que aqui chegou proveniente da África, via Oceano Atlântico, segundo tese da pesquisadora Niéde Guidon! 

Isso faz os desenhos rupestres aqui encontrados únicos no mundo. Também por isso, ou só por isso vale a pena conhecer o Parque Nacional da Serra da Capivara.

2.13 - O Cu do Mundo

São Raimundo Nonato, no sudeste do Piauí é o Cu do Mundo. Nem é uma expressão desrespeitosa, apenas é o lugar mais isolado que cheguei. O Piauí é um estado carregado de preconceitos no sudoeste do Brasil, no sentido que aqui as relações capitalistas são muito precárias.

Não há indústria, nem extrativista, não há agronegócio, não há praias.... Ensombrecendo ainda mais o quadro, a vegetação é semi-árida, o que significa que o calor é desafiador e há seca, o padecimento a se suportar e conviver.

São Raimundo entra para a história mundial quando Niéde Guidon, há 40 anos atrás, descobre perdidas entre as serras e boqueirões, pinturas rupestres a céu aberto. Foi para conhecê-las que vim.
Não sabia muito o que encontrar no parque; na cidade tinha expectativa zero. Já havia andado pelo nordeste nos anos 80 do século passado numa viagem com a minha amiga Cristina e sabia que os horrores que Graciliano Ramos havia descrito em "Vidas Secas" não eram ficção literária.

Cheguei na tarde de domingo. Alojei-me na Pousada Progresso, logo na avenida de entrada. Local simplesinho, alojamento de viajantes. Baratinho. Tinha ar condicionado e internet, o que é essencial para pessoas que como eu, ficamos wi-fi dependentes.

Não havia energia elétrica na cidade. Xiiiiiii!

Nem ar condicionado, nem internet funcionando.......Bem pior que eu supunha!

Bem, vamos ver o que fazer: o Museu do Homem Americano ficava pertinho, era um bom começo. No museu, outra decepção: ele não conseguia funcionar sem energia. Nada a fazer. Nesse momento encontrei Cida Pereira, uma senhora de mais de 50 anos, fala arrastada, que se apresentou como guia do parque e se ofereceu para ser a minha condutora no Parque.

Não era bem o que eu esperava de um guia. Tinha imaginado um sertanejo de coxas firmes e dorso largo a me contar e mostrar os sinais dessa civilização que aqui viveu. Acabei contratando a Cida. Combinamos de nos encontrar no dia seguinte, cedinho, na pousada.

Escureceu sem luz. O jegue nos arredores da pousada parecia não se importar com isso, seus movimentos lentos, duma espécie que se tornou inútil quando as motos chegaram, só falavam duma vida abandonada ao léu. E conforme a luz do dia ia sumindo o mais belo céu apareceu: sem nuvens, sem poluição, sem umidade e sem lua, todas as estrelas apareceram. Tudo o que a Natureza negava à Terra, oferecia ao céu. Estrelas.

O Cu do Mundo se vingava me mostrando o mais belo céu possível.

2.12 - Segunda parte: rumo ao Piaui

Enfrentar a estrada Petrolina  a Sao Raimundo Nonato, no Piauí, pela rota de Remanso, onde 80 dos 350 km sao feitos em uma estrada deserta e descalça, atravessando a Caatinga inóspita, eh como se caminhássemos ao Cu do Mundo.

Com a construção da barragem de Sobradinho, algumas cidades foram realocadas em lugares diferentes, construindo uma nova geografia no lugar. Isso originou uma estrada asfaltada e moderna para os padrões locais, na região mais ao norte da Bahia, ligando Casa Nova a Remanso.

Depois essa rota vira para o norte até a fronteira com o Piauí, de estrada sem pavimentação, em plena Caatinga. Foi a primeira vez que cruzei algo tão desértico e inóspito. Dirigia sozinha. Lembro que cruzei Remanso lá pelas 11 horas da manhã, então era o momento de sol a pino e forte intensidade de luz.

Poucos carros, nenhuma casa, um ou outro bode lambendo o chão seco e empoeirado. Por alguns momentos tive medo, sensação de abandono. De que, ali o socorro tardaria.

Inútil procurar árvore de sombra para um descanso, não havia arvore alguma.

Em algum momento, depois de muito tempo, surgiu a redenção: uma pequena guarita e uma placa indicando a fronteira Bahia - Piauí. Fim das dificuldades. Uma estrada azulada de asfalto surgia a minha frente. Qual o que! Apenas alguns quilômetros adiante, tudo se acaba e os pedregulhos, a poeira e as cabras soltas voltam a fazer parte do destino do viajante até a cidade de Dirceu Arcoverde.

Cheguei em São Raimundo Nonato numa tarde de domingo. O que esperar dali, me perguntei. Os próximos dias me darão essa resposta.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

2.11 - Miolo - uma vinícola arrogante

Duzentos hectares (cerca de 80 alqueires ) de uvas plantadas, dois milhões de litros de vinho e o mesmo tamanho em arrogância.

Essa eh a Miolo aqui nas margens do São Francisco.
Produzem vinhos na linha Terranova e, nos últimos meses, num lance de marketing, substituíram o selo Terranova pelo Almaden. Alegaram que a Almaden eh uma marca consolidada no mercado.

Tem também uma parceria com a empresa espanhola Osborne, produtora de conhaque e anis famosos por la.

Não gosto da postura das enólogas que nós acompanham na degustação: são arrogantes, se sentem superiores e demonstram isso na postura, nos comentários. Tão diferentes de vinícolas argentinas, chilenas, italianas, francesas por onde andei. Mesmo o pessoal do Rio Zgrande do Sul eh mais simpático.

A uva que melhor se adaptou em terras baianas do município de Casa Nova eh a Syrah. Dela saiu o Tessardi, um vinho tinto premiado na Expovonos de 2022 como o melhor vinho tinto brasileiro.

Agora, as 3 mil garrafas produzidas nessa safra premiada se esgotou.
Não vai ser dessa vez!

2.10 - Vapor do Vinho

Roteiro criado em fevereiro de 2011, usando a barca Rio dos Currais.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

2.9 - Bodódromo

Nao gosto desse nome assim como nao gosto de apagão, Mineirão e algumas palavras que ficam com sonoridade áspera quando se juntam sufixos como ÃO e DROMO..... Considerações à parte, vamos ao lugar:
As cabras são muito bem adaptadas no semi-árido e o Nordeste tem mais cabras que a França. Qualquer hora encontro essa estatística de Globo Rural. Daí que comê-las ou a seu queijo faz parte da gastronomia nordestina.
Acontece que nós, paulistas, chamamos o macho de cabrito e - os nordestinos - de bode. Semântica apenas, para falarmos do mesmo animal. Nas cantinas italianas de São Paulo se come cabrito ensopado no vinho; aqui se come bode assado.
Mania local, construíram o tal Bodódromo, símbolo da identidade pernambucana. Sucesso total! 8 restaurantes acomodados em L, com espaço para estacionamento no L contrário. A maioria é apenas um galpão aberto e a maior parte das mesas fica do lado externo. Lembrar que nessa cidade chove quase nunca.
Musica ao vivo no mais genuíno forró: sanfona, triângulo e bumbo.
Comida variada e metade dos pratos são baseados no bode servido assado em seus mais diversos cortes: pernil, paleta, lombo. Pedi errado e fui servida num churrasco com os piores pedaços do animal: carne seca e dura. Hoje vou pedir com mais propriedade!
O que acompanha a carne?
Arroz, feijao de corda com farinha e coentro, pirão de leite, pirão de bode, macaxeira cozida, vinagrete. Por curiosidade, pedi paçoca de bode (carne assada triturada com farinha de mandioca). Ventava muito e foi um desafio compartilhar (verbo do garçom) a iguaria com o vento.
A carta de vinhos locais era pobre (o vinho  produzido nessa terra há apenas 10 anos não entrou na cultura gastronomica local) e direcionada ao público local que gosta de vinhos doces. Santo sacrilégio!!!!!!
Ah, na frente de cada restaurante - à guisa de decoração - um casal de animais esculpidos em cimento.

A carta de vinhos era

2.8 - Petrolina em suas entranhas

Cidade plana, de céu azul intenso, poucas ou nenhuma nuvem, vento do rio constante de maio a setembro. Essa foi a melhor surpresa: clima semi-árido e seco, me preparei para um calor infernal. Nada disso! A brisa que sopra diuturnamente deixa a cidade aprazível.

Cidade de 250 mil habitantes, com algumas largas e estratégicas avenidas que fazem o transito fluir. Gastei a manhã andando pela cidade, um pouco a pé, um pouco no carro alugado a R$ 80,00 ao dia. Fui conhecer o centro de artesanato Mestre Quincas onde 3 homens sentados faziam esculturas em pau de umburana(será isso?). O motivo básico são as carrancas (imagens de monstros que eram colocadas nas proas  dos barcos do rio para afugentar os maus espíritos (são muito semelhantes na crença e na forma aos dragões que encontrei na Tailandia), mas também há variações de barcos, anjos e bichos da fauna local. Levo comigo uma carranca como recuerdo.



Depois o Museu. Figuras históricas são Lampião, Dom Malam e Nilo Coelho, em ordem cronológica crescente.Talvez me simpatize mais com Lampião que preenche nosso imaginário como Justiceiro popular, numa terra de oligarquia dura a favor dos coronéis. Lampião morreu em 38 em Angico, Sergipe numa emboscada da policia alagoana. Alinças politicas desse Nordeste! Como documento da morte dele sua cabeça foi decapitada e guardada em formol e mais tarde exposta em algum museu da região. Mesma sorte teve sua parceira - Maria Bonita! Nem faz muito tempo que seus descendentes fizeram um movimento judicial e popular para o sepultamento de suas cabeças que hoje descansam em paz em algum cemitério. Noooossa, nao sei nada da história do Cangaço!



Depois, a Catedral, do visionário Dom Malam. Catedral em estilo gótico, de 800 lugares (sentados) e belíssimos vitrais franceses. Construída na década de 20, quando esta cidade ainda era uma aldeota. Gosto mais dele ao saber que construiu - salesiano como era - grandes colegios para meninos e outro para as moças. Colégios que 90 anos depois ainda sao referencia na cidade. A crítica que se faz hoje aos grandes colégios católicos no Brasil é que eles tiveram ( e ainda têm) a missão de educar a elite. Aos menos desfavorecidos, as escolas públicas do governador Nilo Coelho......

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

2.7 - Roteiro de Vinícolas na Estrada de Vermelhos

Aluguei um carro em Petrolina (R$ 680,00 por 8 dias) e - mapa na mão - parti em direção ao município de Lagoa Grande, PE. Estrada de mão dupla, plana e plana. A vegetação do semi-árido no início de setembro é composta de arbustos de 1,5 metros de altura, com galhos finos e secos, flolhas miúdas aparecendo, insuficientes para alterar o tom de cinza-terroso da paisagem.

De quando em quando, um cacto, contrastando em sua elegancia longilínea. Dois cumes de colinas ao longe faziam o contraponto com a planície imensa. 50 km. depois cheguei à Lagoa Grande, aquele lugarejo que voce atravessa sem perceber; contudo uma grande placa LOJA DE VINHOS avisa que aqui os tempos são diferentes.

Mais 8 km e estava em frente ao imenso portão da VITIVINÍCOLA SANTA MARIA, do grupo português Dão Sul. 200 hectares de uvas viníferas plantadas, de 16 espécies e 1,6 milhões de litros de vinho produzidos anualmente. Coisa de tirar o fôlego. Fiquei 05 horas lá, andando pelos diversos vinhedos. O diferencial do Paralelo 8 é que voce tem vinhedos em todas as fases de formaçao permitindo gerenciar a fazenda e programar colheitas mensais.
Portal da Vinícola, na Estrada de Vermelhos

Vinhedo de Tempranillo, amadurecendo para a colheita em 2 semanas

Vinhedo de Alicante Boucher, em fase de formaçao do grão

Vinhedo de Moscatel pronta para a colheita
Poda mecanizada pós-colheita


 VINÍCOLA GARZIERA
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CHATEAU DUCOS

VINÍCOLA BIANCHETTI

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VINÍCOLA BOTTICELLI
Era a última vinícola da estrada dos Vermelhos, já no município de Santa Maria.

VINÍCOLA OURO VERDE
No estado da Bahia, no município de Casa Grande.








2.6 - Petit Verdot

Petit Verdot é uma uva francesa, de Bordeaux.
É uma uva de colheita tardia, mais pro meio de outubro, quando o vinho já está em fermentação. Por isso é utilizada apenas nas assemblages para dar um toque a mais, seja no aroma, seja no sabor.
Aqui, no São Francisco - foi diferente.
Cultivada pela empresa Chateau Ducos, a Petit Verdot deu um vinho varietal. Maravilhoso e complexo!
Mineral e aromático, cheira azeitonas que se repete no sabor com pimentas e couro.
Lamentavelmente não consegui visitar esta vinícola. O portão estava cerrado, sem vigias. Na cidade uma informação com cara de fofoca diz que a empresa foi vendida e não estao produzindo vinhos nessa transição. Consegui experimetá-lo no restaurante, estava fora da carta mas exposto no console.
Pura sorte!
Talvez deva prcurá-lo num supermercado já que na Casa do Vinho não há nada.

2.5 - Com o pé em Petrolina

Vôo da Gol pontual. Pontualíssimo!

Fiz escala de meia-hora em Recife, o suficiente para descer do avião, um xixi e embarcar em outro. Viagem de São Paulo à Recife com avião lotado, nenhuma poltrona vazia. O interessante é observar um novo tipo de passageiro presente em minhas viagens pelo Brasil nos últimos 3 anos: o nordestino que migrou 40 - 50 anos atrás em condições de miserabilidade extrema e agora volta para rever a família... de avião. Impensável há dez anos atrás.

A chegada em Petrolina foi cheia de surpresas. Boas e más.
- havia uma brisa permanente na cidade que a deixa muito confortável e a gente nem sente os 33° C.
- o azul do céu impressiona: azul profundo e etéreo; nenhuma nuvem no céu.
- trânsito livre do aeroporto até a Orla e o preço combinado previamente com o taxista não estressou: R$ 32,00.
- O Rio São Francisco, ah, o Velho Chico, de tantos planos antigos estava a minha frente. De um azul rutilante,  lembrou o Rio Tapajós em sua extensão e cor. Belo país esse.
- o Hotel reservadpo pela internet foi um mico: me deram um quarto sem janelas, com lençóis encardidos e toalhas ásperas. Saí meia-hora depois e encontrei o Petrolina Palace Hotel. Confortável, com preços honestos.
Depois de montar a Pousada Bartholomeu, em Parati ou talvez pela idade, o padrão de exigencia mudou muito. Preciso de um mínimo de mimo

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

2.4 - Um pouco de informação sobre vinhos

A Região

Situado entre Pernambuco e Bahia, numa latitude até então impensável para o mundo do vinho - o paralelo 8 - o Vale do São Francisco caminha para ser um dos importantes produtores vitivinícolas do país e desperta a curiosidade mundial
Responsável por 99% da uva de mesa exportada pelo Brasil e pela produção de 5 milhões de litros de vinho por ano, o vale vem se destacando como modelo de desenvolvimento para o Nordeste.
A vinicultura pernambucana/baiana já detém 15% do mercado nacional e emprega diretamente 30 mil pessoas na única região do mundo que produz duas safras e meia por ano.

Localização



Mapa vinícola do Vale do São Francisco
Mapa vinícola do Vale do São Francisco

 


Dados de Produção do Vale do São Francisco
Variedades Tintas:Syrah, Cabernet Sauvignon, Tempranillo, Merlot, Grenache
Variedades Brancas:Moscatel, Muskadel, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Silvaner, Moscato Canelli
Área de Uvas Viníferas:500,00 hectares
Área de Uvas Comuns:7.000,00 hectares
Área de Vinhedos:7.500,00 hectares

História

Apesar do pouco tempo de emancipação política, o município de Lagoa Grande já ostenta uma história promissora. A localidade, que em 1997 deixou de ser distrito de Santa Maria da Boa Vista para ser elevada à categoria de cidade, hoje é um dos destaques do Pólo Vitivinícola de Pernambuco. O município possui uma produção anual de 20,5 milhões de kg de uvas e de 2,5 milhões de litros de vinho, exportando parte deste volume para outros países e diversos estados brasileiros.

Em Lagoa Grande, conhecida em todo o Brasil como a capital da uva e do vinho do Nordeste, existem cerca de 4 vinícolas, (Vinicola Santa Maria, Vinicola Garziera, Chateau Ducos e Vinícola Bianchetti) responsáveis pela geração de empregos impensáveis no passado. A Festa da Uva e do Vinho oferece aos visitantes e moradores de Lagoa Grande diversas atrações. Além de degustar as uvas e vinhos da cidade, os participantes do evento podem conhecer algumas fazendas da região para passear entre as videiras e verificar todas as etapas de produção vinícola, desde o plantio da uva até o acondicionamento do vinho.
(Fonte: www.academiadovinho.com.br).

domingo, 2 de setembro de 2012

2.3 - Pernambuco: Arrumando a mala

Fim-de-tarde de domingo, ainda em casa. Olhava algumas fotos de Petrolina para me familiarizar.... Começo pela imponente catedral gótica, do início do século XX (1929). O que era Petrolina há 90 anos atrás para construir uma igreja como essa?


Retirei a mala do armário e verifiquei seus fechos; parecem funcionar bem (o da aba esquerda estava estragado) e não vou comprar mala nova. Consulto a previsao do tempo e - se de terça a sexta - o tempo é ameno (18C a 28C), a partir de sábado vai ferver, a temperatura chegará a 34 graus. Nadinha de chuva.
O que ponho na mala? Preciso comprar algo? Sim, há algumas coisas que nao tenho, mas a preguiça de sair me diz que vou para uma cidade de 250 mil habitantes e que devo encontrar lá alguns pares de meia, um croc e filtro solar.....

Não, nada disso!
Melhor ver o que e necessário e comprar por aqui onde conheço o lugar e a dinâmica das lojas. Faz tempo que não saio sozinha, ouvindo meus desejos. Me habituei a viajar com o Alexandre e fiquei acomodada. Até a língua trava.

Outra coisa queime interessa e fugir da rota do litoral e me adentrar pelo interior, pelo semiárido. Férias na praia eh fácil. Tudo te interessa. Agora preciso treinar meu olhar para gostar de árvore seca e cactos. Além dos vinhedos, eh claro.