domingo, 10 de outubro de 2021

24.7 - Ceará - O Mercado Central de Fortaleza

Ao lado da catedral e pertinho da orla se encontra o Mercado Central. Alojado num edifício de inspiração Niemayer, com fachada arredondada e rampas onduladas é um projeto do arquiteto Luiz Fiúza. São 1200 metros quadrados distribuídos em 4 pavimentos abrigando mais de 600 lojas. É um mercado especializado em cultura cearense / nordestina.

Uma delícia para os olhos!!!!!

Há uma certa lógica na organização dos espaços, mas não é muito rigorosa. Há muitas lojas dedicadas à refinada arte de tecer e bordar: rendas de bilro, bordado Richelieu, bordado Caicó, crivo, renda filé; produtos de uma qualidade esmerada e sonho de consumo de muita gente, inclusive eu.

vestido em renda de bilro
O vestido da foto foi a peça mais sofisticada que encontrei. Bem, confesso que não pesquisei muito. Mas essa peça era maravilhosa. Imagine tecer a partir de um fio de linha toda essa renda! Fiquei maravilhada!!
Os bordados são os tradicionais jogos de toalhas de mesa e seus guardanapos mas há algo novo: jogos de mesa individuais, ricamente bordados em tecido colorido com o guardanapo no mesmo tom.
toalha de mesa em linho bordada e com barrado de renda de bilro.

Jogos de mesa coloridos - quadrados ou redondos. Bordados sofisticados
Tem castanha de caju aos montes, doce ou salgada, mas estava cara. R$ 60,00 o quilo. Comprei para consumo durante a viagem. Tem rapadura, cachaça e licores com as frutas regionais. Tem muita coisa de couro; Leandra comprou 3 pares de sapatos coloridos. Fofos! Chapéus de vaqueiros. Só penso onde guardar em casa um chapéu de vaqueiro. Encher 600 boxes não é fácil, tem muita coisa lá. Bolsas e artigos de palha de carnaúba e buriti. Roupas bordadas, camisetas de algodão orgânico....
Sapatos artesanais do Mercado Central

Estava me comportando direitinho, só olhando, me perguntando se precisava disto ou daquilo, se tinha lugar para colocar  nas minhas casas (no plural mesmo) até encontrar uma loja (Angélica Artesanatos) onde havia uma surpreendente seleção de peças de artistas nordestinos. Angélica, a proprietária é curadora de arte e tem um aguçado olhar para escolher as peças de sua loja. Queria todas. Por fim, trouxe uma obra em cerâmica (Madona dos Pássaros) do artista pernambucano Carlos Queiroz.
Madona dos Pássaros - autor Carlos Queiroz

Que alegria ter comprado essa obra de arte. A sensação é que estava me presenteando com algo precioso. Trouxe também uma máscara da ceramista Nené, para ocupar um vazio específico na minha sala.
Máscara em cerâmica - por Nené

E por fim, essa maravilha de miniaturas: esculturas em lápis (não perguntei o nome do artista),
esculturas em miniaturas

A essa altura, João já estava com fome e decidimos almoçar por ali. Fomos surpreendidos com um restaurante lotado, que servia comida regional. Havia de tudo: sarapatel, fígado ao molho, carnes grelhadas ( inclusive bode e carneiro), várias farofas, baião-de-dois, feijão de corda. Peixe frito. Como eu havia passado por algumas experiências ruins com a higiene da cozinha de alguns restaurantes, trazendo quadros diarreicos para todo mundo, fiquei ressabiada. Fiquei só nos grelhados, mas Alexandre, Leandra e João se serviram de vários pratos sem nenhum problema. Que bom!!!!





sábado, 9 de outubro de 2021

24.6 - Ceará - Gastronomia Cearense

 O terroir define a gastronomia sempre. Como viajamos pela costa cearense, a presença do mar foi muito intensa. Peixes, caranguejos, lagostas, camarões, polvos e lulas foram uma constante no nosso cardápio. As iguarias eram servidas grelhadas ou num molho, onde o leite-de-coco in natura completava com elegância os pratos.

Vou tentar me lembrar dos pratos saboreados ao longo desses dias. Vou anotar em ordem cronológica: no primeiro dia, ainda em Fortaleza, experimentamos comida de quiosque à beira mar:

- macaxeira frita, isca de peixe, bolinha de peixe (conheci essa receita aqui; imagine uma bolinha de queijo só que com recheio trocado, uma pasta de peixe ao invés do queijo). Para quem planejava um jantar num restaurante estrelado de Fortaleza foi frustrante. Como o João estava muito cansado optamos por jantar no restaurante do hotel. Muito mais mata-fome que uma iguaria local.

O café da manhã em todo o nordeste tem algumas especificidades: a primeira é a tapioca. Servida com manteiga ou recheios variados, está ali, por toda a mesa. A segunda especificidade é o cuscuz. Feito com farinha de milho hidratada (pode ser em flocos ou milharina, ambas pré-cozidas) e cozidas em vapor de água salgada. Requer um cuscuzeiro e fica divina se - ao fim- acrescentamos leite-de-coco. Trouxe um cuscuzeiro do Piauí há alguns anos, mas me esqueço dele escondido no fundo do armário; de quando em quando tento fazer um cuscuz mas é sempre um desastre. Uma das cozinheiras do hotel me falou para untar com manteiga o recipiente antes de ir ao fogo. Tenho usado milharina, mas vou tentar usar a farinha flocada na próxima. Vou ver o que dá. O queijo coalho (iguaria tipicamente nordestina) também está presente no café da manhã mas retorna à mesa no almoço, misturado ao baião de dois. O queijo coalho é feito de leite de vaca que depois de coalhada vai ao fogo. Sua principal característica é a resistência ao calor, o que lhe permite ser assado ou grelhado. É um dos pratos preferidos.

O Baião-de-dois, um prato ligado à aridez do sertão é uma mistura de feijão fradinho com arroz, manteiga de garrafa, cebola, tomate, pimentão, cheiro-verde (coentro?) e queijo coalho. Meu contato com esse prato dessa vez me deixou frustrada. Ele é um dos acompanhamentos padrão dos peixes grelhados, juntamente com a farinha amarela e o vinagrete de tomate e pimentão. Mas nos restaurantes populares, o baião-de-dois foi simplificado e empobrecido; se tronou uma mistura insonsa de feijão (nem sempre fradinho) com arroz em uma proporção de 3:7. Vou descobrir uma receita decente e tentar preparar em casa. Só vai ser difícil encontrar a manteiga de garrafa.....

As peixadas ao molho de leite-de-coco in natura misturadas ou não ao camarão são os pratos fortes para oferta aos turistas. O litoral do Ceará é abundante em peixes (pescada-branca, pargo, robalo, cavala e serigado). Penso que experimentamos todos. Os mesmos peixes são oferecidos grelhados também e sempre são carnudos e saborosos.

Agora quero falar da lagosta, outra frustração. Como no livro "A Elegância do Ouriço" onde o crítico de gastronomia em seu leito de morte busca relembrar o sabor do melhor prato de sua vida eu tenho impresso em minha memória o sabor da melhor lagosta do mundo. Não sei de onde veio essa experiência, mas ela é concreta. Tive a fantasia que revivenciaria (eita verbo esquisito!) nessa viagem ao Ceará pois é esse estado o maior produtor e exportador de lagosta do Brasil. Mas não aconteceu. Primeiro experimentei uma lagoa grelhada na Lagoa da Tosta, em Jericoacoara. 

Lagoa grelhada na Lagoa das Tortas - Jeri

Não era isso que buscava. Depois experimentei uma moqueca da lagosta em Guajiru. Imaginei que fecharia com chave de ouro, mas, apesar do prato ser saboroso ainda não era o que buscava. Voltei frustrada! Melhor, voltei apavorada. As notícias sobre a pesa da lagosta são assustadoras. O Brasil é um grande exportador de lagosta (talvez seja o maior). em 2019 exportou 9 mil toneladas do crustáceo. gerando USD 43,5 milhões de receitas. Ante tão próspero mercado, a pesca está muito mais predatória, caçando lagostas cada vez menores. Se a lagosta não consegue viver sua vida adulta ela porá menos ovos e - a médio prazo - essa população tende a diminuir. Também li durante a viagem uma notícia sobre um acordo com uma empresa de pesca espanhola que virá para as costas cearenses equipada com alta tecnologia para a pesca do atum. Alta tecnologia significa pesca predatória, voraz e desequilibrada. Tudo certo para a quantidade de peixe disponível nos oceanos diminuir cada dia mais.

E agora, José?

Melhor tomar caipirinha de caju e morder a fruta fresca impregnada de aguardente.....

Caju in natura de outubro a dezembro.



terça-feira, 5 de outubro de 2021

24.5 - Ceará. Guajiru

Guajiru ainda é uma aldeia de pescadores artesanais, com jangadas na praia como em minhas fantasias de uma praia cearense.
Jangadas estacionadas na praia de Guajiru
Chegamos por engano e pura sorte. E que sorte! Encontrar povoados de 2.000 habitantes, perfumados pela brisa do mar e seus coqueiros, onde o turismo de massa ainda não chegou é um grande achado, uma emoção boa, um presente especial que devemos tratar com muito carinho porque estão acabando. Jericoacoara acabou, Alter do Chão acabou, Pipa acabou, Porto de Galinhas acabou e Porto Seguro foi o primeiro a ser destruído por esse turista urbano, insano e voraz.
Jeri me provocou um grande tédio, uma sensação que não há mais nada para ver, mas Guajiru me deu aquele prazer de descobrir locais onde a vida se conta por detalhes.
Recifes provocam diferentes colorações na superfície do mar.
Detalhes das cores do mar, da forma e cor das algas, das piscinas entre corais onde pescadores catam polvo com a mão. Detalhes nas ruas de areia, nas rendeiras frente à almofada de bilros na varanda, nas inúmeras jangadas ancoradas na areia, na cor da pele do pescador...

O vento não para aqui, nem em praia alguma do Ceará. Niéde Guidon tem a teoria que foram os ventos do Ceará que trouxeram o homem da África para cá há 50 mil anos. E é esse vento constante que faz a marca do estado: dunas por todo o litoral, águas mornas, praias de orlas largas e retas, árvores de tronco inclinado que cresceram sob a pressão do vento. E uma brisa fresca que sopra por todo o dia deixando o ambiente muito confortável. E quando a noitinha chega, se vê os moradores colocando as cadeiras na frente da casa para um dedo de prosa e usufruir o frescor da noite.

Os terrenos em frente ao mar estão completos de mansões suntuosas e fechadas, a maioria pertencentes a europeus que com o cambio a favor, constroem pequenos castelos para aproveitarem seu mês de férias, mas,  a partir da segunda rua (Guajiru não tem mais que5 ou 6 ruas) as pessoas locais se apropriam do espaço para viver seu mundo, sua vida. Vida simples de casas de teto baixo, muitas flores nos quintais, poucos e pequenos mercados. Dois ou três restaurantes à beira mar se encarregam dos turistas com peixadas e moquecas grossas de leite de coco in natura. Resgatei uma lembrança perdida: em 1985 fui junto com a Marga para  o litoral de Alagoas. Fizemos Porto Calvo, Japaratinga e Maragogi, quando tudo aquilo eram apenas vilarejos perdidos. Na pensão (ainda não havia o conceito de pousada) de Japaratinga as cozinheiras extraiam o leite de coco duma maneira muito exótica. Será que consigo descrever? A lembrança é tão nítida!:
A garota estava sentada sobre uma estaca de madeira duns 50 cm de comprimento com um raspador curvo na ponta.  Ela inclinava o corpo e segurando um coco com uma das mãos, ia rodando-o no raspador. Numa bacia no chão caíam as raspas de coco. Tudo aquilo era espremido num pano donde saía o leite de coco de "primeira prensa"; o mais viscoso.
Não vi esse raspador em Guajiru, mas o leite de coco das peixadas, com certeza é da primeira prensa.
Caules tortos pelos ventos
Eu viveria alguns meses em Guajiru; confesso que estava fazendo as contas da viabilidade financeira disso e duma provável rotina lá. Seria um ambiente muito propício a escrever um livro, meditar e chegar mais perto da minha essência.
Imensidão de paisagem






24.4 - Ceará- E eu chorei por Jeri.

Jericoacoara está dentro de um parque nacional. Mesmo com o conceito de proteção, preservação e intangibilidade, o ritmo de uso do parque traz problemas ambientais a esse espaço com afluxo intenso e crescente de pessoas.

A horda de turistas que o visita não é das mais civilizadas. Pelo caminho, cruzando as dunas do parque, dentro de um veículo cadastrado para a rota, além da paisagem impressionante das dunas e de alguns jegues pastando, era possível ver garrafas de cerveja atiradas ao léu, embalagens e sacolas plásticas. Triste, mas principalmente preocupante. Jeri cresceu exponencialmente: passou de 100 mil visitantes ao ano em 2010 para 1,2 milhões em 2020; está na moda e isso traz um impacto ambiental considerável. O turista que visita Jeri tem o perfil da aventura. O exotismo do lugar não permite só contemplar e usufruir, é preciso consumir produtos que envolvam alguma adrenalina e muitas fotos para exibir em cada rede social. Esse é o mantra!!!!

Muitos produtos foram criados artificialmente para atrair esse consumidor moderno e superficial. Lagoas falsas à custa de drenagem de água de outros lugares com tobogãs de plástico colorido e tirolesas montadas sobre paus grosseiros e inseguros... decoração com flores de plásticos em galhos secos para o turista ser fotografado.
As flores de plástico eram mesmo necessárias? Foto de leydsviaja.com.br
Nos últimos meses foram inaugurados três locais totalmente artificiais, que são vendidos ao turista incauto como paraísos: o Buraco Azul - uma lagoa artificial, cavada abaixo do nível  en no mesmo estilo e piorado com, pasme você! uma cachoeira artificial, o Lagun Beach Club. O terceiro se chama The Alchymist Beach Club (com uma estrutura de resort) na Lagoa do Paraíso.

A vila de Jericoacoara está dentro do Parque Nacional de Jericoacoara e - está, por enquanto - imune a esses artificialismos caça-níqueis a Las Vegas. Então, os investidores usam as áreas vizinhas ao parque nos municípios limítrofes como Camocim, Cruz e Caiçara. Estes municípios arcam com o impacto negativo do turismo de massa, sem o bônus financeiro, concentrado em Jeri.

Ninguém mora na vila de Jericoacoara!
Ninguém! 
Durante a pandemia, quando o local foi fechado para o turismo por algumas semanas, tudo ficou em silencio, desértico. Dava para ver as estrelas no céu. Como a vila é pequena, todos os imóveis são ocupados pelos turistas; o preço do imóvel expulsou o pescador e o trabalhador para os vilarejos vizinhos. Quando se caminha cedinho pela vila percebe-se as jardineiras, buggies e motos chegando e trazendo os trabalhadores: garçonetes, atendentes de lojas, cozinheiros, arrumadeiras, motoristas, instrutores de kitesurf, todos chegando para cumprir seu papel na cadeia do turismo. Cadeia de baixos salários e concentradora de renda, com muita coisa em mãos do capital estrangeiro.

Nada sei da rede sanitária da vila. As pousadas e hotéis maiores usam poço artesiano. Fossa? Será que o lençol freático já está contaminado? Considerando que todo o espaço é plano e ao nível do mar, como fica o esgoto? Perguntas que ninguém faz.... A reciclagem é recente e há campanhas públicas estimulando-a.

500 toneladas de lixo reciclável por mês!!!!!

Por tudo isso, por conhecer o paraíso de 10 anos atrás, eu chorei por Jeri.


sexta-feira, 1 de outubro de 2021

24.3 - Ceará. Jericoacoara

10 anos!
Vim para cá como presente de aniversário em 2011 (eu acho) e estou retornando hoje. Nesses 10 anos Jeri explodiu: passou de 100 mil visitantes ao ano para 1,2 milhões. Como se a cada ano dobrasse o número de visitantes. Penso na estrutura sendo criada para suportar tal demanda. Estrutura como água potável, água para banho, logística de comida, de saneamento básico...
Na viagem passada eu sentia a presença de um gerente oculto porque tudo funcionava muito bem. Agora não sei....
Jeri era terra dos índios Tremembés. Viviam como nômades pois é difícil imaginar um aldeamento em meio a dunas com rala vegetação rasteira. Pertinho fica o rio Grubiú, hoje divisa de Camocim. Talvez pudesse ter algum aldeamento ao longo desse rio.
O primeiro europeu que aportou por aqui foi Vicente Pinzón, em 1499, na terceira viagem de Colombo, mas isso não consta dos registros oficiais.
Depois essa terra continuou intocada até que algum português apareceu e fundou o forte de Nossa Senhora do Rosário (1614). Em algum momento do século XX, formou-se uma vila de pescadores, pois a enseada do mar e o rio facilitavam a pesca.
Nos anos 70, o movimento de contracultura passa a valorizar os paraísos intocados, Jeri entrou nesse roteiro uns 20 anos depois. E não parou mais. Hoje é tudo, menos um espaço de contracultura... Inserida na sociedade de consumo até a medula, se tornou um espaço exibicionista da era das mídias sociais.



24.2 - Ceará - Camocim

Camocim é a última cidade a oeste do Ceará, já em fronteira com Barra Grande, no Piauí. Está a 350 km de Fortaleza, de onde viemos num carro alugado na Movida. Deu tudo errado nessa locação, nem sei por onde o caminho entortou.
Camocim tem mais de 60 mil habitantes e nos hospedamos num hotel pé na areia, na praia das Caraúbas. A orla de areia é extensa, dá preguiça de chegar no mar.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

24.1 - Ceará - Fortaleza

A ideia de vir ao Ceará apareceu em julho quando João, meu neto, me pediu um presente de aniversário. Aos 6 anos, começar o gosto pelas viagens, pelo desconhecido, pelo encontro de outras culturas é um bom presente, acredito.
E chegamos à Fortaleza num velho avião da Latam. Eu, João, Alexandre e Leandra.
A cidade, com 2,7 milhões de habitantes ocupa o Quinto lugar em tamanho entre as cidades brasileiras, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Salvador.
Nos hospedamos na praia de Iracema.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

23.14 - Maranhão. As Palmeiras de Gonçalves Dias

"Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá".

Este poema, escrito em 1843, em Coimbra, pelo poeta maranhense Gonçalves Dias, reflete a imensa importância das palmeiras na vida doméstica e na economia do Maranhão.
A região onde se localiza o estado do Maranhão é uma transição entre os biomas da floresta amazônica, o cerrado e a caatinga e favorece o aparecimento de palmeiras específicas como a carnaúba, o buriti, o coqueiro, o bacuri, o babaçu, o tucum... na chamada "Mata dos Cocais". Então, a coisa mais forte nas lembranças e saudades de Gonçalves Dias eram as palmeiras, paisagem comum e abundante em sua terra.
CARNAÚBA

Carnaúba 
É a árvore mais importante economicamente no Nordeste, desde o Rio Grande do Norte até o Maranhão. Utilizada desde a raiz (uso medicinal), tronco (madeira resistente usada na marcenaria) até a folha. É de sua folha os usos mais conhecidos; formada de fibras macias, maleáveis e resistentes é ideal para a confecção de telhados, cestarias e para a extração da cera de carnaúba, de amplo uso industrial, das pranchas de surfe ao fio dental, passando pela cobertura de frutas (diluída em água) para aumentar seu frescor e durabilidade. A cera de carnaúba faz parte da cesta de exportação dos estados, principalmente para Alemanha, Japão e Estados Unidos, para uso industrial e farmacêutico.
É fácil reconhecer um pé de carnaúba: as folhas, em forma de leque, se dispõem 360 graus em torno de um ponto, dando à copa a forma de uma esfera.

BURITI
Guimarães Rosa rem um texto magnifico sobre um Buritizal, lá nas veredas do sertão. É uma espécie que surge em terrenos alagáveis e brejos. Como toda palmeira nordestina, toda a árvore é aproveitável.
Buriti às margens do rio Preguiça
O palmito é comestível e da polpa de seu fruto se fazem doces, compotas, sorvetes e até vinho. Claro, há muita cestaria e eu me confundo sobre a origem de cada fibra quando as vejo. Porém me surpreendi com o "capim-dourado" do buriti, uma fibra muito fina (seda do buriti) usado para a fabricação de bolsas e chapéus, principalmente, na região dos Lençóis. O produto final é indistinguível daqueles fabricados com a gramínea do Tocantins.
Bolsas de "capim-dourado" oriundo do buriti

BABAÇUAttalea speciosa
O babaçu é outra palmeira cujos frutos dão em cachos e seus frutos tem uma semente de onde se extrai o óleo de babaçu. Encontrada principalmente no Piauí e Maranhão, é muito presente na Mata dos Cocais juntamente com a carnaúba. Pode alcançar até 20 metros de altura. O sertanejo usa a árvore integralmente: do tronco, madeira para construção; da palha, telhado e cestaria; o palmito é comestível; o leite e o óleo da castanha são usados na alimentação; a farinha oriunda do fruto é usado para mingaus e bolos; enfim, nada como ter um babaçu no terreiro de casa....

Cacho com cocos de babaçu

Árvore de babaçu.

A ocupação agropecuária tem colocado em risco a conservação da Mata dos Cocais pois retira a cobertura original para que o local seja ocupado por pastagens para a criação de gado e lavouras de monoculturas, impedindo o ciclo espontâneo de germinação dessas palmeiras. Até quando veremos isso inertes, passivos? Será a luta ambiental uma causa perdida?




sexta-feira, 13 de agosto de 2021

23.15 - Maranhão - Raposa, o último destino.

Raposa é um dos três municípios da Ilha de Uapon-Açu, a 27 km de São Luís,  com cerca de 30 mil habitantes, conhecida por suas rendeiras. Nem é verdade, o tempo engoliu as rendeiras (hoje só 3 mulheres se dedicam à atividade) e as poucas lojas vendem rendas do Ceará.

Mesmo assim, é um prazer entrar nessas lojas. Mesmo sabendo que toalhas bordadas tem grande chance de ficar nas gavetas, eu acabo comprando e ficando feliz. A origem dessa comunidade é cearense: foram pescadores de Acaraú (CE), que fugindo da seca de 1940, se estabeleceram no local e foram atraindo outros conterrâneos. Com rios e manguezais, a cultura da pesca predominou por um lado e as rendas, por outro, tecidas pelas mãos hábeis das rendeiras que acompanhavam o núcleo fundador.

Quando viajo, sempre tento sair do circuito turístico e andar por onde as pessoas vivem e, assim, captar a essência de seu modo de vida. Tá certo que o turismo é um fator de desenvolvimento. Quando esse desenvolvimento é planejado, as chances de sucesso são grandes, mas quando o movimento é espontâneo e as pessoas e os serviços acontecem por pressão do mercado, vai surgindo um cenário desorganizado, feio e muitas vezes, em condições sanitárias precárias. Essa equação da qualidade dos serviços versus respeito ambiental e preservação paisagística está longe de ser resolvida no Brasil, quer em lugares pobres como o Maranhão ou em locais mais ricos como o litoral norte de São Paulo. O homem, à custa de divertir-se, suja muito, destrói muito. E isso é sempre triste, é o lado escuro de cada viagem.... Tudo isso para dizer que Raposa, com um lado para o mar e outro para o mangue é uma cidade periférica, metade dormitório de São Luís e metade vila de pescadores; mal cuidada, pobre, enfim, maltratada. Seus indicadores confirmam essa impressão que o passeio me deu: IDH=0,626. Apenas 6,5% da população tem emprego formal e - mesmo assim, os salários são baixos; metade da população ganha 1.6 salários mínimos. Assusta saber que 50% da população está abaixo da linha da pobreza e só 17% tem esgoto tratado, contaminando as águas do rio Paciencia. Contaminação que se estende aos manguezais, com o descarte aleatório dos resíduos (orgânicos ou recicláveis).

O lado turístico, esquecendo o impacto ambiental que vem causando, é promissor: perto da capital, com belas praias, dunas e manguezais, atrai pessoas e cria trabalho e renda para os moradores. O núcleo urbano apresenta um conjunto paisagístico que - apesar da simplicidade da construção - tem grande valor patrimonial e cultural.

Se Raposa fosse um caso isolado, seus problemas seriam fáceis de resolver: uma presença intensa do estado, sob a forma de projetos ambientais, investimentos em educação, saúde e moradia resolveriam a questão socioambiental e devolveriam ao local a beleza que a Natureza lhe conferiu.

Há tanto trabalho para reconstruir o Brasil!!!!!

 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

23.14 - Maranhão Gastronômico. E viva a patinha de caranguejo!

Ah, falar da gastronomia maranhense!!!! Que diversidade, que intensidade de sabores! Nenhum dia nossa mesa foi semelhante ao nosso cotidiano, àquilo que cozinhamos e ao qual nosso paladar está habituado. Baseado na proximidade com o mar, o mangue e a tradição sertaneja da carne de sol e o queijo de coalho, os pratos disponíveis, pelo menos nos restaurantes, refletem essa realidade.

O ingrediente mais representativo , sem dúvida, é a vinagreira. Vegetal nativo da África, se adaptou bem no Maranhão. A curiosidade é que o hibisco e a vinagreira vêm da mesma planta, um é a flor e o outro, a folha. A vinagreira é servida refogada sozinha ou misturada ao arroz: o ARROZ DE CUXÁ!!!!

Caranguejo: com a proximidade do mangue, o caranguejo é outro ingrediente muito popular; é servido natural, só cozido em água ou leite de coco (huummm!), para se comer com as mãos e lamber os beiços. A patinha de caranguejo, empanada e frita (há uma técnica nesse processo) é a melhor iguaria da viagem, sem dúvidas. Mas há outras maneiras de servir a carne de caranguejo: num refogado com tomate que eles chamam de casquinha, mesmo que não o sirvam na casquinha. Chegamos a comer este mesmo refogado, misturado à claras em neve e assado, no que eles chamam de torta de caranguejo.

Patinha de caranguejo
Peixe: no estado do Maranhão o sistema de produção pesqueira artesanal é dominante e conduzido tanto em águas estuarinas quanto marinhas. Vários fatores geográficos fazem com que a costa maranhense seja grande produtora de pescado. Os peixes mais comuns são: pescada branca, pescada amarela, pargo e robalo. Claro, a pesca é sempre uma atividade de risco ambiental; hoje se pesca mais do que a capacidade dos peixes se reproduzirem; então, a população mundial de peixes está diminuindo e algumas espécies à beira do colapso. O Maranhão tem um programa de governo que investe em fazendas de produção de peixe: tem crédito, e assistência técnica. A economia do pescado cresceu, mas não conheço  detalhes sobre o quanto esse programa é ambientalmente correto. O peixe como base gastronômica se mostra em receitas tradicionais muito semelhantes no mundo todo: ou empanamos e fritamos (ideal para um quiosque na praia), ou o grelhamos ou ele cai num molho grosso, com leite de coco - a moqueca.
Peixe grelhado no jantar em Barreirinhas

Lagosta: ah, a emblemática lagosta da costa norte-nordeste do Brasil! Tendo o Ceará como principal produtor, responsável por 65% das exportações, sua pesca, basicamente artesanal por armadilhas, se espalha por toda a costa nordeste, Maranhão inclusive. Mas é uma situação tensa: hoje se vive uma situação de pré-colapso pois a pressão pesqueira acima do sustentável, tem reduzido o tamanho das lagostas pescadas, comprometendo a capacidade da espécie em se reproduzir e equilibrar o povoamento. 
Eu queria comer lagosta nessa viagem, uma lagosta cujo sabor estava marcado em meu cérebro e por qual eu busco há muito tempo. Vou continuar buscando porque foi frustrante comer lagosta. Como é um produto de exportação, o que fica no mercado local é o refugo. E os molhos em que ela foi servida não se encaixavam no sabor que eu buscava.....
Lagosta servida num quiosque de praia com vinagrete e farinha amarela.
Camarão: Outra iguaria nordestina farta, o camarão está presente um todos os menus. Ambientalmente, sofre das mesmas pressões dos peixes e lagostas. Muito apreciado, aparece em várias apresentações: empanado, grelhado, na moqueca e misturado a outros ingredientes, coo o abacaxi.
Risoto de camarão com abacaxi, em Atins - MA
Nos Lençóis Maranhenses, especificamente em Atins eu comi um camarão grelhado muito semelhante a outro que comi na Malásia (e duvido que o sertanejo, dono do restaurante tivesse alguma troca cultural com o país da Ásia). O camarão era aberto ao meio, grelhado e servido com um molho picante. A diferença era que o molho malaio tinha amendoim; de resto eram semelhantes. Minha teoria de que o preparo da comida é um arte universal e seu padrão se repete nas diversas culturas com apenas alteração de detalhes.
Camarão grelhado em Atins
Polvo e marisco: ah, a moqueca de mariscos do restaurante Cheiro Verde!!!! Foi um dos pratos que faz parte das boas lembranças, junto com a patinha de caranguejo de Parnaíba. Demoramos para encontrar um bom marisco, a iguaria está ausente na maioria dos cardápios. Já o polvo está bem disseminado; para o bem e para o mal. Arroz de polvo......

Arroz de polvo em São Luiz

E só para terminar, vou citar os acompanhamentos clássicos desta viagem: a farinha amarela (nada sei sobre ela), o pirão feito com caldo de peixe e farinha de mandioca e o vinagrete onde se vai pimentão, tomate, cebola, folhas de coentro e pimenta de cheiro. Ah! que maravilha!!!! Ainda tem baião de dois e carne de sol com pirão e queijo coalho.

E viva a comida maranhense!!!!!



quarta-feira, 11 de agosto de 2021

23.13 - Maranhão. São Luís

Chegamos ontem à São Luiz vindas de Parnaíba por um ônibus noturno em 9 horas de viagem. Ônibus-leito confortável com ar condicionado em intensidade máxima, obrigando durante a viagem o uso de casaco de lã e meias. Um momento tenso para nós pelo risco de contaminação pelo COVID,   já que o ar condicionado não permitia a troca de ar. Usamos a máscara PFF2 e confiamos na vacina.
Chegamos cansadas ao hotel às seis da manhã e nos foi permitido o check-in imediato com o acréscimo de meia diária. Hotel antigo com a manutenção descuidada principalmente no banheiro, onde os rejuntes estavam cobertos de mofo. Esse é o risco de reservar baseando-se apenas em fotos.
São Luís tem 1 milhão de habitantes, já o Maranhão tem 9 milhões. Penso que já comentei que na capital há uma classe média vigorosa que faz rodar a economia do estado. Já os outros 8 milhões de maranhenses estão esparramados por um território amplo sem outros polos importantes de geração de riqueza. No sul do estado se está  plantando soja, uma novidade dos últimos anos, mas a curva da desigualdade social segue intacta.

Começamos nosso dia andando pelo centro histórico. Vale lembrar que São Luiz foi no século 19, uma próspera capital ligada ao ciclo do algodão. A opulência econômica desse período deixou como legado uma patrimônio arquitetônico admirável. E a busca desse patrimônio norteava nossa andança. Foi com imensa alegria que constatei a revitalização desse espaço urbano, tão inspirado na arquitetura portuguesa.

Rua Portugal - com casario de azulejos bem preservados
A rua mais marcante de casario de azulejos, a rua Portugal,  lembrou a Alfombra de Lisboa, a mãe inspiradora. Em ambas há um ar nostálgico de uma estética muito específica, a azulejaria.
Casarão neoclássico em frente à Casa das Tulhas
O Centro Histórico vem sendo paulatinamente recuperado, restaurado e o seu maior problema nos tempos de abandono - a violência, vem sendo eficientemente combatida com o policiamento preventivo presente; tornou-se um local seguro o que é muito positivo para o turismo. O calor abafado e a irregularidade das ruas, as escadarias atrapalham um pouco esse "redescobrir o centro histórico". 
Andamos sem rumo entre o casario do século 19, e eu me entusiasmava ao percebê-lo muito mais conservado que eu imaginava. A Rua do Giz está sendo pintada inteiramente; é considerada uma das ruas mais bonitas do país; queria vê-la repaginada. Vontade de retornar em alguns meses. Será?
Rua do Giz em processo de restauração

Há nomes saborosos: Casa das Tulhas, Rua Portugal, Rua do Giz, Rua do Sol, Rua do Egito...
O governo estadual lançou um programa "Adote um Casarão", onde a iniciativa privada restaura e ocupa um imóvel em troca de benefícios. Hoje foi inaugurado um deles.
Foto do Instagram do Governador

Há muitos monumentos a serem visitados no Centro Histórico se quisermos ter um olhar um pouco mais profundo sobre o tempo  passado e como a cultura presente interage com ele.
Sé de São Luís. Majestosa e bem cuidada.

A Sė, monumento imponente na mesma praça do Palácio dos Leões, sede do governo do Estado, estava fechada. Nosso tempo e energia são menores que os desafios culturais que nos deparamos.

Outro dia no Centro Histórico, um a mais.
A chuva e a preguiça mudaram nossos planos; ao invés de Alcântara, voltamos ao Centro Histórico. Meu coração se alegra por ver essa cidade cuidada, todas as fraturas sendo reparadas. Ruas limpas, sem lixo, sem risco. 
Escadaria no Centro Histórico de São Luís.
Agora, sentadas no Cafofo da Tia Dica, aguardamos nosso almoço: peixe à moda da casa com arroz de cuxá e vatapá e colocamos a conversa em dia. Os maranhenses almoçam aqui, os turistas também. Sempre são boas essas paradas longas para absorver as informações, comentar o que se viu.
Restaurante Cafofo da Tia Dica, onde baixamos a guarda e nos aglomeramos em local fechado com ar condicionado. Entusiasmo arriscado!


Depois, andar um pouco mais. Sem destino.
Impossível não fazer comparações com outra viagem, 40 anos atrás, onde o centro histórico estava destruído, Há uma sensação boa de que é possível reconstruir esse país, sensação que vai de encontro à destruição atual quem vem sendo feita cotidianamente por um presidente insensato.

23.12 - Parnaíba, o Museu do Mar

Inaugurado em 2 de julho de 2021, há menos de dois meses, o Museu do Mar do Delta "Seu João Claudino", em Parnaíba promete ser o maior atrativo turístico-cultural do Delta. O museu, concebido pelo arquiteto Paulo Vasconcelos, faz parte, de maneira correta, da revitalização do patrimônio arquitetônico do Porto das Barcas, histórico testemunho da atividade comercial do Piauí nos três séculos passados..

O espaço cultural localizado no Porto das Barcas destaca as riquezas do Delta do Parnaíba, o terceiro maior delta do mundo e o único das Américas que desagua em mar aberto. O Museu do Mar, no século XIX, foi um antigo armazém portuário e está inserido neste complexo arquitetônico formado por grandes armazéns, ruas estreitas, becos e vielas, contemplando uma arquitetura neoclássica. 

Viela de acesso ao Museu

As edificações são em pedra rejuntadas com pó de ostras e óleo de baleia, preservados há quase 300 anos. A região foi um grande centro comercial, que viveu os ciclos do charque e da carnaúba, quando recebeu vapores e embarcações da Europa.

Foto aérea do Museu do Mar - acervo do Museu
O que não me parece correto é afirmar - como a mídia está fazendo - que esse é o maio museu do Piauí. É um grande e bem cuidado museu, mas não podemos deixar de levar em conta o imenso e lindo Museu da Natureza, em Coronel José Dias, no sudeste do Piauí ou, da importância do Museu do Homem Americano - em São Raimundo Nonato. Precisamos valorizar as conquistas ao longo do tempo!!!!Me encantou encontrar no museu a presença de famílias inteiras vindo conhecer a novidade. Quando os grupos locais se apropriam do bem cultural ele se torna representativo do patrimônio imaterial desse grupo. O acervo do Museu está dividido em três seções.
  • 1ª seção – O Homem do Delta do Parnaíba
Leva em consideração a etnografia, o homem do Delta e a sua relação com as atividades pesqueiras e de sobrevivência, bem como seus costumes e crenças. Esta seção é subdividida em 11 setores, são eles:
Pesca no mar; Pesca no rio; Pesca de crustáceos; Marisqueiras; Catadores de caranguejos; Mestres estaleiros; Rancho do Mar; Artesãs; Curumins; Rendeiras; Fé e religiosidade.
  • 2ª seção – História Natural (dedicada à natureza do Delta do Parnaíba)
Nesta seção são tratadas as questões ambientais e é nesse espaço que estão os esqueletos de um boto cinza, de um peixe-boi e de uma baleia, além de réplicas desses e de outros animais.
Peixe-boi - réplica exposta no Museu do Mar
Também há uma maquete dedicada ao Delta, que mostra as inúmeras ilhas, igarapés, biomas etc. O fundo do mar e as espécies que vivem nesse ambiente também são retratados numa maquete. É subdividida nos seguintes setores:
Proteção ambiental; Rio Parnaíba; Biomas; Praias; Vilas e Cidades; Répteis; Aves; Mamíferos; Fauna marinha; Baleias; Golfinhos; Peixe-boi.
  • 3ª seção – Navegando no Delta do Parnaíba
Espaço dedicado à tecnologia náutica e sua evolução ao longo dos anos. Por lá,  o visitante encontra 11 embarcações de vários tipos e tamanhos. Além de três setores dedicados às peças náuticas, relacionadas à segurança e comando das embarcações.
Edna no jardim do museu, tendo ao fundo um barco em tamanho natural
E não para por aí, na terceira seção ainda existe uma linha do tempo – Navegando no tempo – que mostra a história de Parnaíba e sua relação com o mar.  Nesta seção também há um espaço dedicado à Marinha do Brasil e outra aos estaleiros. Já no pátio do Museu, o visitante vai encontrar duas embarcações em tamanho real, que chegam a quase 20m de comprimento. Na parte de dentro do Museu você pode conferir embarcações em tamanhos menores.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

23.11 - As rendeiras de Ilha Grande

Ilha Grande - Piauí é um pequeno município vizinho à Parnaíba onde uma atividade manual - a confecção da renda de bilro - resiste como um soluço.

BILROS são a ferramenta para a confecção da renda. Seu manuseio é complicadíssimo; é uma atividade de tradição familiar, se aprende a arte em criança, ao pé das mães e avós em frente às almofadas. É uma habilidade que está se perdendo; as mulheres adultas a adquiriram, mas não a exercitam e a geração seguinte, enredada pela tecnologia, abriu mão desse saber secular. 

A Renda de Bilros é produzida sobre um almofada onde o enchimento é feito por materiais como crina, serragem, capim ou algodão. A almofada é a base para a confecção do trabalho e deve ficar apoiada num suporte de madeira; por cima da almofada fica um molde com o desenho a ser seguido com o trançar dos bilros.
Os bilros são objetos de madeira, com uma pequena cabeça nas extremidades na qual é enrolada a linha para a execução do trançado. Na produção de uma peça geralmente se usa vários bilros, sempre aos pares.

As rendas são valorizadas por serem delicadas e únicas; por exigirem atenção e perfeição e - principalmente - por serem totalmente confeccionadas à mão. Deste requintado trabalho são produzidas toalhas de mesa, vestidos, blusas e muito mais, de acordo com a criatividade da artesã. Alguns estilistas preocupados em criar um estilo brasileiro têm utilizado a renda de bilros em passarelas com grande efeito estético.

renda de bilro na alta costura
A arte é encontrada principalmente em vilarejos e cidades praianas, por exemplo Sambaqui (SC), Ilha Grande (PI) e Raposa (MA).

HISTÓRIA
De acordo com pesquisadores a renda de bilros se originou na Europa por volta do século XV, em local incerto. Há trabalhos na Itália, Inglaterra, Espanha e Bélgica. Não existem dados concretos que comprovem, ao certo, o local da primeira produção. A tradição no Brasil surgiu a partir do século XVII, por meio dos portugueses. Na Eslovênia, esta atividade é muito comum entre a população. O artesanato está presente no vestuário, acessórios, utilidades domésticas... Atualmente no país existem cerca de 120 sociedades voltadas à renda de bilros. A UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciencia e a Cultura integrou a renda de bilros da Eslovênia como Patrimônio Cultural da Humanidade em 2018. (Fonte: https://www.infoescola.com/cultura/renda-de-bilros).

Foi em Parnaíba que ouvimos falar das "rendeiras de Ilha Grande". Descobrimos a existência de uma associação -  Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana,  mais conhecida como a Casa das Rendeiras

Casa das Rendeiras de Ilha Grande
Ela reúne cerca de 60 mulheres e funciona como espaço de trabalho e local de exposição e vendas. "A associação já ganhou duas vezes o Prêmio Top 100 de Artesanato, que é promovido pelo Sebrae Nacional. Foram as mulheres da Casa das Rendeiras quem produziram o vestido que a primeira-dama Marisa Letícia usou na posse do segundo mandato de Lula. Esse vestido foi todo confeccionado com 1.500 flores de camélia em renda de bilro. Essa produção foi tão admirada que, na época, o vestido de Marisa Letícia fez com que gerasse a encomenda para São Paulo de vários vestidos de noivas com flores de camélia tecidos pelas artesãs piauienses. O contato pode ser feito pelo telefone (86)99430-7742, com Socorro Reis, que é a presidente da associação."(Fonte: conheçaopiaui.com)

Fomos até lá num domingo de manhã e qual não foi a nossa frustração ao encontrar a casa fechada. Na porta, uma folha de papel colada com os telefones de duas rendeiras: Francisca e Socorro. Socorro é a presidente. Ligamos e não conseguimos contato. Enquanto isso, o motorista que havia nos levado - esperto como ele só - já estava perguntando aqui e ali e acabou nos levando para a casa de dona Laurinha, uma rendeira (tel. 86-99426.4609). Ela nos recebeu com sorrisos de gentileza e - rapidinho trouxe sua almofada para a varanda, avisando de antemão que nada estava à venda, pois estava trabalhando em duas encomendas.

Dona Laurinda e suas rendas - Ilha Grande

Curiosamente, Dona Laurinha executa dois trabalhos simultâneos; um durante o dia e outro à noite. Assim, consegue lidar com o pressa de seus clientes. Nada para comprar, ficou a alegria de estar em contato com uma manifestação profunda da cultura popular, quase um ato de resistência nos tempos modernos.

Edna e Márcia na sombra de Ilha Grande






segunda-feira, 9 de agosto de 2021

23.10 - Piauí. O Delta do Parnaíba

O rio Parnaíba com 1.500 km de comprimento corre no sentido sul- norte e deságua no Atlântico em um delta de 5 braços, "como uma mão", como disse um barqueiro.
Esse ecossistema, abrangendo a água doce do rio, a geografia de restingas e mangues, igarapés e ilhas, os recifes, as lagoas, o próprio mar fechando tudo isso... permitiu o surgimento de uma cultura específica da região, uma população que está aqui desde tempos imemoriais e criou uma economia baseada no extrativismo e na pesca artesanal que sobrevive à tecnologia de nossos tempos.

Barqueiro sob o sol intenso do delta
Aqui encontramos profissões especiais como marisqueiras, pescador de tarrafa, pescador de anzol, catador de caranguejo, construtor de barco artesanal, rendeiras, redeiros, timoneiros... enfim, um mundo que parecia desaparecido mas que está aqui, inteiro.

Marisqueiras - em foto no Museu do Mar - Parnaíba
A região é a maior produtora de caranguejos do país, exporta cerca de 20 milhões de animais por ano. E,  claro, aqui se come a melhor patinha de caranguejo num restaurante chamado Camarão Express, dentro do Centro Cultural.

TURISMO NO DELTA
As empresas de turismo oferecem dois tipos de passeios, cada um percorrendo um braço do delta. Podemos escolher entre lanchas até 12 pessoas ou os grandes catamarãs de 100  pessoas. Escolhemos os primeiros. RS 190,00/ pessoa, incluso estava o transfer do hotel até a saída dos barcos no Porto dos Tatus, no município de Ilha Grande e isso é muito confortável.
Seguimos por um dos braços do delta até um igarapé, cheio de aningas (vegetação de folhas grandes, típica dos mangues) e carnaúbas.

Igarapé com vegetação típica de mangue

O ponto alto desse passeio é a revoada dos guarás. O guará (Eudocimus ruber) é uma ave da família Threskiornithidae e mede cerca de 50 a 60cm. Possui bico fino, longo e levemente curvado para baixo. A plumagem é de um colorido vermelho muito forte por causa da sua alimentação à base do caranguejo chama-maré (Uca maracoan) que possui um pigmento, o caroteno que dá tingimento às plumas. (Fonte: Wikiaves).  
Guará em pleno vôo
Ao fim da tarde, quando o sol está se pondo, uma dezena de lanchas converge às proximidades de uma pequena ilha no delta do rio Parnaíba. Os motores são desligados e tudo fica em silencio quebrado pelo barulho da água batendo no casco dos barcos e pelo vozerio das pessoas que esperam a chegada dos guarás. 
Ilha no delta que recebe os guarás para o pernoite
Por fim, surgindo do poente chegam três aves alinhadas, emitindo um som característico. Depois, um bando maior, em direção oposta. Todos os celulares apontam para o alto tentando capturar as imagens, mas a magia está em ser surpreendido por qual direção os bandos chegam. E eles chegam por todas elas. Bandos grandes de 30 a 40 animais ou pequenos com 3 ou 4. às vezes, um vôo solo. Para minha tristeza, que desejava uma lente mais potente para registrar o momento, percebi todas as aves levantando voo para uma arvore em outra ilha ainda mais distante, quando era possível ver apenas pontos vermelhos no horizonte.
E, à medida que o sol declina, novos guarás chegando para passar a noite. Voam para a árvore distante e cada um vai escolhendo o seu galho para passar a noite.
Revoada de Guarás

Mais guarás chegando...

Por fim quando a árvore tinha se tornado um matiz de pontos vermelhos, o inusitado: todas as aves levantam vôo, atravessam o canal e vêm pousar na árvore prometida, em sua casa.
Ilha dos Guarás - Parnaíba
Depois de tanta generosidade da Natureza só nos restava voltar para casa gratos por ter participado do sublime.