terça-feira, 5 de outubro de 2021

24.4 - Ceará- E eu chorei por Jeri.

Jericoacoara está dentro de um parque nacional. Mesmo com o conceito de proteção, preservação e intangibilidade, o ritmo de uso do parque traz problemas ambientais a esse espaço com afluxo intenso e crescente de pessoas.

A horda de turistas que o visita não é das mais civilizadas. Pelo caminho, cruzando as dunas do parque, dentro de um veículo cadastrado para a rota, além da paisagem impressionante das dunas e de alguns jegues pastando, era possível ver garrafas de cerveja atiradas ao léu, embalagens e sacolas plásticas. Triste, mas principalmente preocupante. Jeri cresceu exponencialmente: passou de 100 mil visitantes ao ano em 2010 para 1,2 milhões em 2020; está na moda e isso traz um impacto ambiental considerável. O turista que visita Jeri tem o perfil da aventura. O exotismo do lugar não permite só contemplar e usufruir, é preciso consumir produtos que envolvam alguma adrenalina e muitas fotos para exibir em cada rede social. Esse é o mantra!!!!

Muitos produtos foram criados artificialmente para atrair esse consumidor moderno e superficial. Lagoas falsas à custa de drenagem de água de outros lugares com tobogãs de plástico colorido e tirolesas montadas sobre paus grosseiros e inseguros... decoração com flores de plásticos em galhos secos para o turista ser fotografado.
As flores de plástico eram mesmo necessárias? Foto de leydsviaja.com.br
Nos últimos meses foram inaugurados três locais totalmente artificiais, que são vendidos ao turista incauto como paraísos: o Buraco Azul - uma lagoa artificial, cavada abaixo do nível  en no mesmo estilo e piorado com, pasme você! uma cachoeira artificial, o Lagun Beach Club. O terceiro se chama The Alchymist Beach Club (com uma estrutura de resort) na Lagoa do Paraíso.

A vila de Jericoacoara está dentro do Parque Nacional de Jericoacoara e - está, por enquanto - imune a esses artificialismos caça-níqueis a Las Vegas. Então, os investidores usam as áreas vizinhas ao parque nos municípios limítrofes como Camocim, Cruz e Caiçara. Estes municípios arcam com o impacto negativo do turismo de massa, sem o bônus financeiro, concentrado em Jeri.

Ninguém mora na vila de Jericoacoara!
Ninguém! 
Durante a pandemia, quando o local foi fechado para o turismo por algumas semanas, tudo ficou em silencio, desértico. Dava para ver as estrelas no céu. Como a vila é pequena, todos os imóveis são ocupados pelos turistas; o preço do imóvel expulsou o pescador e o trabalhador para os vilarejos vizinhos. Quando se caminha cedinho pela vila percebe-se as jardineiras, buggies e motos chegando e trazendo os trabalhadores: garçonetes, atendentes de lojas, cozinheiros, arrumadeiras, motoristas, instrutores de kitesurf, todos chegando para cumprir seu papel na cadeia do turismo. Cadeia de baixos salários e concentradora de renda, com muita coisa em mãos do capital estrangeiro.

Nada sei da rede sanitária da vila. As pousadas e hotéis maiores usam poço artesiano. Fossa? Será que o lençol freático já está contaminado? Considerando que todo o espaço é plano e ao nível do mar, como fica o esgoto? Perguntas que ninguém faz.... A reciclagem é recente e há campanhas públicas estimulando-a.

500 toneladas de lixo reciclável por mês!!!!!

Por tudo isso, por conhecer o paraíso de 10 anos atrás, eu chorei por Jeri.


5 comentários:

  1. Dá vontade de chorar até sem conhece.
    Obrigada, Edna, por compartilhar mais esse descalabro

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  2. Ah, de mais brasileiros tivessem esse olhar perspicaz e amoroso para nosso País…!!
    Que pena, esse “ parque de diversões “ ridículo num lugar tão lindo
    Que pena

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  3. ( gostei muito do texto, deu para “ ver” o quedou descrito- chorei também)

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  4. Triste ver o que o turismo de massa faz com os lugares! Ainda mais dentro de um parque nacional!

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    1. muito triste, Lívia. Há muita coisa se perdendo. Descobri que em Maragogi - AL também tem um balanço enfeitado com flores de plástico e as pessoas pagam para tirar fotografias.

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