terça-feira, 5 de outubro de 2021

24.5 - Ceará. Guajiru

Guajiru ainda é uma aldeia de pescadores artesanais, com jangadas na praia como em minhas fantasias de uma praia cearense.
Jangadas estacionadas na praia de Guajiru
Chegamos por engano e pura sorte. E que sorte! Encontrar povoados de 2.000 habitantes, perfumados pela brisa do mar e seus coqueiros, onde o turismo de massa ainda não chegou é um grande achado, uma emoção boa, um presente especial que devemos tratar com muito carinho porque estão acabando. Jericoacoara acabou, Alter do Chão acabou, Pipa acabou, Porto de Galinhas acabou e Porto Seguro foi o primeiro a ser destruído por esse turista urbano, insano e voraz.
Jeri me provocou um grande tédio, uma sensação que não há mais nada para ver, mas Guajiru me deu aquele prazer de descobrir locais onde a vida se conta por detalhes.
Recifes provocam diferentes colorações na superfície do mar.
Detalhes das cores do mar, da forma e cor das algas, das piscinas entre corais onde pescadores catam polvo com a mão. Detalhes nas ruas de areia, nas rendeiras frente à almofada de bilros na varanda, nas inúmeras jangadas ancoradas na areia, na cor da pele do pescador...

O vento não para aqui, nem em praia alguma do Ceará. Niéde Guidon tem a teoria que foram os ventos do Ceará que trouxeram o homem da África para cá há 50 mil anos. E é esse vento constante que faz a marca do estado: dunas por todo o litoral, águas mornas, praias de orlas largas e retas, árvores de tronco inclinado que cresceram sob a pressão do vento. E uma brisa fresca que sopra por todo o dia deixando o ambiente muito confortável. E quando a noitinha chega, se vê os moradores colocando as cadeiras na frente da casa para um dedo de prosa e usufruir o frescor da noite.

Os terrenos em frente ao mar estão completos de mansões suntuosas e fechadas, a maioria pertencentes a europeus que com o cambio a favor, constroem pequenos castelos para aproveitarem seu mês de férias, mas,  a partir da segunda rua (Guajiru não tem mais que5 ou 6 ruas) as pessoas locais se apropriam do espaço para viver seu mundo, sua vida. Vida simples de casas de teto baixo, muitas flores nos quintais, poucos e pequenos mercados. Dois ou três restaurantes à beira mar se encarregam dos turistas com peixadas e moquecas grossas de leite de coco in natura. Resgatei uma lembrança perdida: em 1985 fui junto com a Marga para  o litoral de Alagoas. Fizemos Porto Calvo, Japaratinga e Maragogi, quando tudo aquilo eram apenas vilarejos perdidos. Na pensão (ainda não havia o conceito de pousada) de Japaratinga as cozinheiras extraiam o leite de coco duma maneira muito exótica. Será que consigo descrever? A lembrança é tão nítida!:
A garota estava sentada sobre uma estaca de madeira duns 50 cm de comprimento com um raspador curvo na ponta.  Ela inclinava o corpo e segurando um coco com uma das mãos, ia rodando-o no raspador. Numa bacia no chão caíam as raspas de coco. Tudo aquilo era espremido num pano donde saía o leite de coco de "primeira prensa"; o mais viscoso.
Não vi esse raspador em Guajiru, mas o leite de coco das peixadas, com certeza é da primeira prensa.
Caules tortos pelos ventos
Eu viveria alguns meses em Guajiru; confesso que estava fazendo as contas da viabilidade financeira disso e duma provável rotina lá. Seria um ambiente muito propício a escrever um livro, meditar e chegar mais perto da minha essência.
Imensidão de paisagem






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