domingo, 18 de novembro de 2018

18.4 - Goiás - Cora Coralina

Cora Coralina não era seu nome; era apenas o pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas. Foi uma mulher de vanguarda, fez coisas que poucas do seu tempo o fizeram. Nasceu e morreu no mesmo quarto, na mesma casa em Vila Boa de Goyás, hoje Cidade de Goiás.

Entrar nessa casa era o objetivo principal dessa viagem. E - para minha surpresa - é uma casa com duas histórias. Antes de ser a casa da família Guimarães Peixoto, era a Casa do Quinto, onde todo o ouro encontrado era lavado, separado da areia, registrado é taxado. Testemunha disso é a bica de água que desce de uma nascente da Serra Dourada até o quintal da Casa da Ponte.

Bica de água onde o ouro era coletado

A fonte de água ficava a centenas de metros
Cora Coralina pertencia a uma família tradicional, com Anhanguera como ancestral maior. Seu pai foi desembargador e comprou essa casa.

Depois que o pai morreu sua família passa por dificuldades financeiras e vai viver numa fazenda.
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Cora volta para a Casa da Ponte e frequenta a escola da professora yyyy. Vai se iniciando na vida literária e jornalística da cidade que - à época - era a capital do estado.

Em 1911 se casa com Cantídio Tolentino Bretas e sai da cidade. Depois de um curto preambulo se instala em Jaboticabal - SP, onde cria seus 5 filhos: Guajajarina (adotiva), Paraguassu, Jacyntha, Cantídio e Vicência. Morava numa área espaçosa na cidade e começou a produzir e vender mudas de árvores e flores. Tinha também uma loja de retalhos, onde comprava retalhos em São Paulo e os revendia, a metro, na cidade.

Cora Coralina era uma cidadã, no sentido amplo da palavra. Todas as questões da cidade lhe diziam respeito e participava de reuniões, grupos de caridade e era uma cronista ativa do cotidiano da cidade, publicando suas opiniões nos jornais locais. Mandava também material para ser publicado em Goiás. Para ela. só tinha sentido escrever se pudesse ser lida pelo seu público.

Após o casamento dos filhos, passa a viver só. Nessa época estava em curso o desbravamento do oeste paulista, com novas cidades Sendo fundadas, estradas de ferro construídas e fazendas sendo desmembradas para se tornarem propriedades de agricultura familiar.

Cora se entusiasma com essa movimentação de pessoas e energia rumo ao desbravamento do desconhecido. Em xxxx compra um sitio em Andradina e muda-se para lá. Vive na cidade, onde mantém sua loja de retalhos, mas a maior parte de sua energia dedica ao sitio. Planta algodão, milho, feijão e café, Cria galinhas e porcos.

Dessa época é sua obra-prima: o POEMA DO MILHO  e a ORAÇÃO DO MILHO. Antes dessa viagem, desse post, nunca tinha dado devida atenção ao Poema do Milho. Reli agora. Céus! Que ritmo, que pulsação! Está tudo ali. O ritmo me lembrou a Ode Marítima de Fernando Pessoa. Todos os tempos do milho ali, contados, contadinhos. Longo poema. Lindo poema!!!! A Oração do Milho, mais curta, mas não menos potente e refinada, dá para colocar neste post, para admirarmos com carinho.

Oração do Milho

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada. Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo. E de mim, não se faz o pão alvo, universal.
O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre. Alimento de rústicos e animais do jugo.
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o carcarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde
Sou o milho.

Em xxxx, 45 anos depois volta a viver em Goiás, ouvindo "o chamado das pedras". Volta a viver na mesma Casa da Ponte onde nasceu.




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