terça-feira, 20 de novembro de 2018

18.6 - Goiás - Brasília, triste Brasília!

Há uma angústia no peito quando se caminha pelo eixo monumental. Brasília está degradada na aparência e na alma. A pintura descascada dos monumentos de Niemeyer, a grama que se foi, as calçadas de pedras portuguesas remendadas com cimento, tudo a falar dum projeto que a partir de algum momento começou a dar errado.

Visão do Palácio do Congresso Nacional
Cheguei à cidade em meio de novembro, duas semanas depois que uma eleição presidencial colocou a extrema-direita no poder, com o apoio de 51% dos votos. Penso em votos para não esquecer que eles não são a maioria neste pais, são apenas 51% dos maiores de 16 anos que decidiram votar. Mesmo assim o coração sangrava....

Chegamos em meio a uma chuva intensa, dirigindo pela ASA Norte. Mas o GPS é sempre eficiente; de alguma maneira se chega.  E chegamos à quadra dos hotéis, onde uma dezena de torres se organizavam, conectadas a uma praça central e um shopping center. Tudo impessoal mas dispostos de maneira a atender a necessidade dos que se hospedam ( há pessoas que moram nesses espaços durante a semana. São os detentores de cargos designados, na maioria de origem política).

Foto em preto e branco para minimizar a deterioração do edifício
Deixamos o carro no estacionamento do hotel e - desafiando a chuva, saímos, para olhar o eixo monumental. A deterioração do edifício do Poder Legislativo (Câmara e Senado) se coadunava com a deterioração ética de seus ocupantes. Ornava!!!!! Triste ornamento! Cúpulas com a pintura descascada, grama mal cuidada, sujeira nas rampas.....

Continuamos andando olhando cada edifício projetados para serem monumentos. Um deles escapava desse panorama: o Palácio do Itamarati, sede do Ministério das Relações Exteriores. Um palácio de arcos flutuando sobre um jardim aquático conservava a elegância com que ele foi projetado. Tenho relações sentimentais com o Itamarati e agradeci aos céus por ele não me decepcionar.

Palácio do Itamarati flutuando sobre um jardim aquático.
Defronte a ele, do outro lado do eixo, outro monumento arquitetônico não teve o mesmo destino. O Palácio da Justiça, com suas cascatas tinha tudo para ser majestoso, mas não é. Está deteriorado e - de novo a aparência e a função estão em sintonia; prédio capenga para uma justiça ainda pior....

E a decepção só se intensificava. A Biblioteca Nacional e o Museu Nacional, vazios de expressão e de conteúdo.

Biblioteca Nacional vista do pé da rampa do Museu Nacional

Terminamos na Catedral.
Catedral Metropolitana 
Era o monumento que mais me interessava. Tinha sofrido uma intervenção da artista Marianne Peretti, que revestiu seu interior com vitrais em tons de azul e verde-ciano.

Vitrais de Marianne Peretti
Claro, um trabalho belíssimo, mas o conjunto estava deteriorado. Muitos ambulantes na entrada poluindo o caminho dos apóstolos evangelistas (4 belíssimas esculturas na entrada). No interior, uma grosseira escultura de São João Bosco concorria com a leveza de uma réplica da Pietá, de Michelangelo. Mais alguns posters com avisos religiosos, tapetinhos e vasos com flores secas do cerrado e o estrago estava feito.

Os profetas evangelistas na entrada do templo

São João, sozinho em uma das laterais


Deu fome.
Onde comer naquela imensidão de edifícios burocráticos?
Procurando aqui e ali, nos deparamos com um trailer no jardim à sombra de um dos ministérios. Vendia lanches, tapiocas e bebidas; sua clientela eram os trabalhadores daquele Ministério. O inusitado foi o pagamento. Havia uma caixa com notas de dinheiro e moedas, ao lado de fora do trailer, longe da vista do seu proprietário. O cliente pagava colocando o seu dinheiro naquela caixa e retirava seu troco sem a interferência ou vigilância do proprietário.
Confiança total!

Nem tudo estava perdido em Brasília,,,,,,

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

18.5 - Goiás - Comidas de Goiás

Goiás é um estado no centro do país, com grandes espaços vazios. Até pouco tempo atrás, estradas precárias e cidades isoladas. A história de Goiás vem primeiro dos bandeirantes que ignoraram o Tratado de Tordesilhas e seguiram rumo ao oeste, em busca de minas de ouro e esmeraldas.
Acharam alguma coisa?
Acharam ouro, mas era ouro de aluvião, de batear em rio. Acabou logo. Em 50 - 70 anos de mineração não havia mais nada. Como sua geografia é de cerrado, com Árvores baixas e montanhas suaves, a pecuária chegou. Chegou e nunca mais saiu.

Com tanto isolamento, surgiu uma gastronomia peculiar, baseada nos ingredientes locais; a maioria específicos do cerrado, raros ou inexistentes em outros locais.

PEQUI: O pequi é uma fruta (pequizeiro) de uma árvore típica do cerrado de altura média, folhas pequenas. Come-se a polpa que deve ser raspada e nunca mordida, pelos espinhos que saem do caroço. Polpa amarelada e um odor ácido e adocicado que é único. Os goianos amam o pequi e usam facilmente em sua culinária cotidiana.


pequi

GUARIROBA OU GUAROBA  É o palmito de uma palmeira - (Siagrus oleracea). Tem textura semelhante ao nosso palmito-jussara, mas o sabor é bem mais amargo. Pelo consumo intenso, a palmeira está classificada como vulnerável com a proibição da extração do palmito nativo. Pode-se fazer plantações domésticas da espécie, porém não vimos nenhuma plantação doméstica, nenhuma fazenda de guariroba. A extração nativa continua intensa. E um dia vai acabar.....


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BARU: 
baru

CAGAITA : fruta nativa do cerrado, casca amarelada e polpa branca, suculenta com sabor ácido. Também produzem óleos essenciais tanto em uso na medicina popular como, de valor comercial, usado na farmacologia e estética.





CAJÁ-MANGA


cajá-manga 1

CAJUZINHO DO CERRADO
O Cajuzinho do Cerrado é uma fruta nativa do Cerrado, encontrados em Goiás,Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Anacardium nanu ou Anacardium humile.O pseudofruto (pois a fruta é a castanha) é vermelho ou amarelo, suculento e de sabor ácido. O óleo da castanha contém cardol e ácido anacárdico, (de acordo com o site Cerratinga, voltado á agricultura familiar), utilizado para fins medicinais pois é antisséptico e cicatrizante.





MANGABA
mangaba

FUBÁ DE ARROZ
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MURICI
murici
PIMENTA DE CHEIRO
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TAMARINDO
tamarindo



De tudo isso sai a culinária regional:
ARROZ DE PEQUI
O arroz de pequi é o prato regional mais comum. Você coloca para fritar junto com óleo e cebola os frutos amarelos de pequi, com polpa de sabor singular.A seguir colocar o arroz e a água. Sal, quanto quiser. Ao arroz ficar no ponto, pode servir. Muito saboroso! Muito cuidado - todo mundo diz - ao comer a fruta de pequi, devido aos espinhos, você pode roer a polpa, mas nunca morder.
Eu gostei muito do prato, Ni fez ressalvas.

EMPADÃO GOIANO
Outro prato surpresa. É uma massa com pouca manteiga, parecida com massa de torta comum. O recheio é específico, de consistência mole, com um pouco de caldo. É assado em cumbucas e come-se com colher. A bordadura que sela o empadão é decorada como empanadas.
Para o recheio, usa-se peito de frango em cubos, linguiça, batatas e pimenta-de cheiro que dá a cor e o perfume característicos do prato. O palmito amargo - guariroba - é opcional.

BOLINHO DE ARROZ

Comemos no mercado, no café da manhã; é um bolinho doce, assado em formas pequenas (talvez de empadinhas). a farinha de arroz deve substituir a farinha de trigo, então fica uma massa fofa e lebe. Bom, deu vontade de comer enquanto escrevo.
Olha a receita, apresentada no site de Neide Rizzo.

BOLO DE ARROZ DE D. RITINHA DO BRÁULIO

20 unidades pequenas
½ quilo de fubá de arroz
3 copos (americano) de açúcar
3 copos (americano) de coalhada
3 copos (americano) de queijo ralado
½ copo (americano) de óleo
2 colheres (sopa) de fermento em pó
4 ovos
Erva doce a gosto

1 Em uma bacia, junte todos os ingredientes e bata bem. 
2 Deixe a massa descansar de um dia para o outro. 
3 Asse em forminhas untadas.
Receita cedida por seu neto Aloísio Godinho


SUCO E SORVETE DE CAJUZINHO do CERRADO
SUCO E SORVETE DE CAGAITA
SUCO E SORVETE DE CAJÁ MANGA
SUCO E SORVETE DE TAMARINDO
SUCO E SORVETE DE MANGABA


PAMONHAS SALGADAS DE LINGUIÇA E QUEIJO
A pamonha que aparece em diferentes formas em toda a América latina, a partir do México é amplamente difundida entre nós. No estado de São Paulo, em minha cultura familiar, a pamonha é consumida doce, apenas milho e açúcar. Aos poucos, nas casas especializadas, a pamonha começou a ser vendida com recheio, especialmente goiabada.
Em Goiás encontramos em todas as casas a pamonha salgada, muitas vezes recheada de queijo ou linguiça.

PANELINHAS DE DIVERSOS SABORES
Panelinha foi outra novidade para mim. O que é?
Imagine uma panela de alumínio bem grosso, com aparência áspera, comum em lojas populares. Tem um diâmetro de 10-12 cm, com cabo de madeira bilateral. è pequena, uma panelinha!
Alguns restaurantes de Goiás cozinham arroz com diversos produtos locais (pequi, linguiça, palmito, frango, carne de porco) nesse recipiente e o levam quentinho, tão logo saia do fogo para a mesa do cliente.

QUEIJO BRANCO TEMPERADO COM CHEIRO VERDE
Pois é, queijo de leite de vaca, branquinho e os goianos colocam cebolinha picada. o queijo fica com manchas verdes da cebolinha e discreta alteração no paladar. vendido nas feiras ao lado do queijo branco comum.

BISCOITOS DE POLVILHO E QUEIJO
Esse biscoito é muito difundido em todo o interior de Minas, São Paulo, Mato Grosso, Goiás. Todo mundo conhece, em seus mais diferentes formatos. Estou me lembrando agora duma viagem pelo interior de Minas junto com Bia, onde fomos conhecer uma cidade que havia se tornado indicador de preferencia - IP - por causa de seus biscoitos. São Tiago. Interessante é que a maioria das fábricas não usavam o rótulo, porque não conseguiam se submeter ás exigências de padrão. Foi uma festa! cada uma saiu da cidade com uma caixa bem grande de biscoitos; a maioria feita com polvilho, tal como em Goiás.

DOCES CRISTALIZADOS DE FIGO
DOCES CRISTALIZADOS DE MAMÃO COM ABACAXI
DOCES CRISTALIZADOS DE BANANA
DOCES CRISTALIZADOS DE MURICI
DOCES CRISTALIZADOS DE AMENDOIM - CAJUZINHO


domingo, 18 de novembro de 2018

18.4 - Goiás - Cora Coralina

Cora Coralina não era seu nome; era apenas o pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas. Foi uma mulher de vanguarda, fez coisas que poucas do seu tempo o fizeram. Nasceu e morreu no mesmo quarto, na mesma casa em Vila Boa de Goyás, hoje Cidade de Goiás.

Entrar nessa casa era o objetivo principal dessa viagem. E - para minha surpresa - é uma casa com duas histórias. Antes de ser a casa da família Guimarães Peixoto, era a Casa do Quinto, onde todo o ouro encontrado era lavado, separado da areia, registrado é taxado. Testemunha disso é a bica de água que desce de uma nascente da Serra Dourada até o quintal da Casa da Ponte.

Bica de água onde o ouro era coletado

A fonte de água ficava a centenas de metros
Cora Coralina pertencia a uma família tradicional, com Anhanguera como ancestral maior. Seu pai foi desembargador e comprou essa casa.

Depois que o pai morreu sua família passa por dificuldades financeiras e vai viver numa fazenda.
 xxxx

Cora volta para a Casa da Ponte e frequenta a escola da professora yyyy. Vai se iniciando na vida literária e jornalística da cidade que - à época - era a capital do estado.

Em 1911 se casa com Cantídio Tolentino Bretas e sai da cidade. Depois de um curto preambulo se instala em Jaboticabal - SP, onde cria seus 5 filhos: Guajajarina (adotiva), Paraguassu, Jacyntha, Cantídio e Vicência. Morava numa área espaçosa na cidade e começou a produzir e vender mudas de árvores e flores. Tinha também uma loja de retalhos, onde comprava retalhos em São Paulo e os revendia, a metro, na cidade.

Cora Coralina era uma cidadã, no sentido amplo da palavra. Todas as questões da cidade lhe diziam respeito e participava de reuniões, grupos de caridade e era uma cronista ativa do cotidiano da cidade, publicando suas opiniões nos jornais locais. Mandava também material para ser publicado em Goiás. Para ela. só tinha sentido escrever se pudesse ser lida pelo seu público.

Após o casamento dos filhos, passa a viver só. Nessa época estava em curso o desbravamento do oeste paulista, com novas cidades Sendo fundadas, estradas de ferro construídas e fazendas sendo desmembradas para se tornarem propriedades de agricultura familiar.

Cora se entusiasma com essa movimentação de pessoas e energia rumo ao desbravamento do desconhecido. Em xxxx compra um sitio em Andradina e muda-se para lá. Vive na cidade, onde mantém sua loja de retalhos, mas a maior parte de sua energia dedica ao sitio. Planta algodão, milho, feijão e café, Cria galinhas e porcos.

Dessa época é sua obra-prima: o POEMA DO MILHO  e a ORAÇÃO DO MILHO. Antes dessa viagem, desse post, nunca tinha dado devida atenção ao Poema do Milho. Reli agora. Céus! Que ritmo, que pulsação! Está tudo ali. O ritmo me lembrou a Ode Marítima de Fernando Pessoa. Todos os tempos do milho ali, contados, contadinhos. Longo poema. Lindo poema!!!! A Oração do Milho, mais curta, mas não menos potente e refinada, dá para colocar neste post, para admirarmos com carinho.

Oração do Milho

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada. Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo. E de mim, não se faz o pão alvo, universal.
O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre. Alimento de rústicos e animais do jugo.
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o carcarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde
Sou o milho.

Em xxxx, 45 anos depois volta a viver em Goiás, ouvindo "o chamado das pedras". Volta a viver na mesma Casa da Ponte onde nasceu.




18.3 - Goiás - Goiás Velho

Terra de Cora. Cora Coralina. Cidade histórica, ligada à extração do ouro no século 17, fundada por Anhanguera, o bandeirante em 1721.O ouro era de aluvião, superficial e esgotou-se em 70 anos.

Foi a primeira capital do estado, onde funcionou até 1933, quando esta foi transferida para Goiânia, apesar da resistência dos moradores local. Em 2001 foi admitida como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, por preservar seu casario e ruas em calçamento pé de moleque.No dia 25 de julho é o aniversário da cidade; além de feriado, a cidade - nesse dia - se torna a capital do estado. O governador se instala no Palácio dos Conde de Arcos e despacha dali, da mesma mesa que seus predecessores de 100 anos atrás.

Localizada entre no vale entre a Serra Dourada e o Rio Vermelho, exibe um casario bastante uniforme do período colonial, com calçamento pé-de-moleque. Apesar do calor do centro-oeste é muito agradável caminhar a esmo pelas ruas imemoriais da cidade, principalmente no fim de tarde, quando uma quietude baixa na alma dos moradores e eles colocam cadeiras na calçada ( aquelas feitas em ferro e espaguetes de plastico como revestimento) e se põem a prosear. Do que conversam? Das coisas simples da vida, dos perrengues do dia a dia, da saúde e da doença.

O rio Vermelho corta a cidade e é sua coluna espinhal. O centro histórico está em suas margens e a casa mais antiga da cidade - a CASA DA PONTE - fica do outro lado do rio, contínua à rua da Lapa.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

18.1 - Goiás - Que começo atribulado

Feriado de 5 dias, entre 15 a 20 de novembro. Ni, minha irmã (bem) mais nova me convida para uma viagem; roteiro aberto. Desejo de conhecer o canyon de Itambezinho, no Rio Grande do Sul. Opção descartada pela opção gaúcha nas últimas eleições.
- Não vou entregar meu dinheiro para a extrema direita, conjecturei.
E a escolha recaiu no cerrado, mais especificamente, Goiás.