domingo, 10 de outubro de 2021

24.7 - Ceará - O Mercado Central de Fortaleza

Ao lado da catedral e pertinho da orla se encontra o Mercado Central. Alojado num edifício de inspiração Niemayer, com fachada arredondada e rampas onduladas é um projeto do arquiteto Luiz Fiúza. São 1200 metros quadrados distribuídos em 4 pavimentos abrigando mais de 600 lojas. É um mercado especializado em cultura cearense / nordestina.

Uma delícia para os olhos!!!!!

Há uma certa lógica na organização dos espaços, mas não é muito rigorosa. Há muitas lojas dedicadas à refinada arte de tecer e bordar: rendas de bilro, bordado Richelieu, bordado Caicó, crivo, renda filé; produtos de uma qualidade esmerada e sonho de consumo de muita gente, inclusive eu.

vestido em renda de bilro
O vestido da foto foi a peça mais sofisticada que encontrei. Bem, confesso que não pesquisei muito. Mas essa peça era maravilhosa. Imagine tecer a partir de um fio de linha toda essa renda! Fiquei maravilhada!!
Os bordados são os tradicionais jogos de toalhas de mesa e seus guardanapos mas há algo novo: jogos de mesa individuais, ricamente bordados em tecido colorido com o guardanapo no mesmo tom.
toalha de mesa em linho bordada e com barrado de renda de bilro.

Jogos de mesa coloridos - quadrados ou redondos. Bordados sofisticados
Tem castanha de caju aos montes, doce ou salgada, mas estava cara. R$ 60,00 o quilo. Comprei para consumo durante a viagem. Tem rapadura, cachaça e licores com as frutas regionais. Tem muita coisa de couro; Leandra comprou 3 pares de sapatos coloridos. Fofos! Chapéus de vaqueiros. Só penso onde guardar em casa um chapéu de vaqueiro. Encher 600 boxes não é fácil, tem muita coisa lá. Bolsas e artigos de palha de carnaúba e buriti. Roupas bordadas, camisetas de algodão orgânico....
Sapatos artesanais do Mercado Central

Estava me comportando direitinho, só olhando, me perguntando se precisava disto ou daquilo, se tinha lugar para colocar  nas minhas casas (no plural mesmo) até encontrar uma loja (Angélica Artesanatos) onde havia uma surpreendente seleção de peças de artistas nordestinos. Angélica, a proprietária é curadora de arte e tem um aguçado olhar para escolher as peças de sua loja. Queria todas. Por fim, trouxe uma obra em cerâmica (Madona dos Pássaros) do artista pernambucano Carlos Queiroz.
Madona dos Pássaros - autor Carlos Queiroz

Que alegria ter comprado essa obra de arte. A sensação é que estava me presenteando com algo precioso. Trouxe também uma máscara da ceramista Nené, para ocupar um vazio específico na minha sala.
Máscara em cerâmica - por Nené

E por fim, essa maravilha de miniaturas: esculturas em lápis (não perguntei o nome do artista),
esculturas em miniaturas

A essa altura, João já estava com fome e decidimos almoçar por ali. Fomos surpreendidos com um restaurante lotado, que servia comida regional. Havia de tudo: sarapatel, fígado ao molho, carnes grelhadas ( inclusive bode e carneiro), várias farofas, baião-de-dois, feijão de corda. Peixe frito. Como eu havia passado por algumas experiências ruins com a higiene da cozinha de alguns restaurantes, trazendo quadros diarreicos para todo mundo, fiquei ressabiada. Fiquei só nos grelhados, mas Alexandre, Leandra e João se serviram de vários pratos sem nenhum problema. Que bom!!!!





sábado, 9 de outubro de 2021

24.6 - Ceará - Gastronomia Cearense

 O terroir define a gastronomia sempre. Como viajamos pela costa cearense, a presença do mar foi muito intensa. Peixes, caranguejos, lagostas, camarões, polvos e lulas foram uma constante no nosso cardápio. As iguarias eram servidas grelhadas ou num molho, onde o leite-de-coco in natura completava com elegância os pratos.

Vou tentar me lembrar dos pratos saboreados ao longo desses dias. Vou anotar em ordem cronológica: no primeiro dia, ainda em Fortaleza, experimentamos comida de quiosque à beira mar:

- macaxeira frita, isca de peixe, bolinha de peixe (conheci essa receita aqui; imagine uma bolinha de queijo só que com recheio trocado, uma pasta de peixe ao invés do queijo). Para quem planejava um jantar num restaurante estrelado de Fortaleza foi frustrante. Como o João estava muito cansado optamos por jantar no restaurante do hotel. Muito mais mata-fome que uma iguaria local.

O café da manhã em todo o nordeste tem algumas especificidades: a primeira é a tapioca. Servida com manteiga ou recheios variados, está ali, por toda a mesa. A segunda especificidade é o cuscuz. Feito com farinha de milho hidratada (pode ser em flocos ou milharina, ambas pré-cozidas) e cozidas em vapor de água salgada. Requer um cuscuzeiro e fica divina se - ao fim- acrescentamos leite-de-coco. Trouxe um cuscuzeiro do Piauí há alguns anos, mas me esqueço dele escondido no fundo do armário; de quando em quando tento fazer um cuscuz mas é sempre um desastre. Uma das cozinheiras do hotel me falou para untar com manteiga o recipiente antes de ir ao fogo. Tenho usado milharina, mas vou tentar usar a farinha flocada na próxima. Vou ver o que dá. O queijo coalho (iguaria tipicamente nordestina) também está presente no café da manhã mas retorna à mesa no almoço, misturado ao baião de dois. O queijo coalho é feito de leite de vaca que depois de coalhada vai ao fogo. Sua principal característica é a resistência ao calor, o que lhe permite ser assado ou grelhado. É um dos pratos preferidos.

O Baião-de-dois, um prato ligado à aridez do sertão é uma mistura de feijão fradinho com arroz, manteiga de garrafa, cebola, tomate, pimentão, cheiro-verde (coentro?) e queijo coalho. Meu contato com esse prato dessa vez me deixou frustrada. Ele é um dos acompanhamentos padrão dos peixes grelhados, juntamente com a farinha amarela e o vinagrete de tomate e pimentão. Mas nos restaurantes populares, o baião-de-dois foi simplificado e empobrecido; se tronou uma mistura insonsa de feijão (nem sempre fradinho) com arroz em uma proporção de 3:7. Vou descobrir uma receita decente e tentar preparar em casa. Só vai ser difícil encontrar a manteiga de garrafa.....

As peixadas ao molho de leite-de-coco in natura misturadas ou não ao camarão são os pratos fortes para oferta aos turistas. O litoral do Ceará é abundante em peixes (pescada-branca, pargo, robalo, cavala e serigado). Penso que experimentamos todos. Os mesmos peixes são oferecidos grelhados também e sempre são carnudos e saborosos.

Agora quero falar da lagosta, outra frustração. Como no livro "A Elegância do Ouriço" onde o crítico de gastronomia em seu leito de morte busca relembrar o sabor do melhor prato de sua vida eu tenho impresso em minha memória o sabor da melhor lagosta do mundo. Não sei de onde veio essa experiência, mas ela é concreta. Tive a fantasia que revivenciaria (eita verbo esquisito!) nessa viagem ao Ceará pois é esse estado o maior produtor e exportador de lagosta do Brasil. Mas não aconteceu. Primeiro experimentei uma lagoa grelhada na Lagoa da Tosta, em Jericoacoara. 

Lagoa grelhada na Lagoa das Tortas - Jeri

Não era isso que buscava. Depois experimentei uma moqueca da lagosta em Guajiru. Imaginei que fecharia com chave de ouro, mas, apesar do prato ser saboroso ainda não era o que buscava. Voltei frustrada! Melhor, voltei apavorada. As notícias sobre a pesa da lagosta são assustadoras. O Brasil é um grande exportador de lagosta (talvez seja o maior). em 2019 exportou 9 mil toneladas do crustáceo. gerando USD 43,5 milhões de receitas. Ante tão próspero mercado, a pesca está muito mais predatória, caçando lagostas cada vez menores. Se a lagosta não consegue viver sua vida adulta ela porá menos ovos e - a médio prazo - essa população tende a diminuir. Também li durante a viagem uma notícia sobre um acordo com uma empresa de pesca espanhola que virá para as costas cearenses equipada com alta tecnologia para a pesca do atum. Alta tecnologia significa pesca predatória, voraz e desequilibrada. Tudo certo para a quantidade de peixe disponível nos oceanos diminuir cada dia mais.

E agora, José?

Melhor tomar caipirinha de caju e morder a fruta fresca impregnada de aguardente.....

Caju in natura de outubro a dezembro.



terça-feira, 5 de outubro de 2021

24.5 - Ceará. Guajiru

Guajiru ainda é uma aldeia de pescadores artesanais, com jangadas na praia como em minhas fantasias de uma praia cearense.
Jangadas estacionadas na praia de Guajiru
Chegamos por engano e pura sorte. E que sorte! Encontrar povoados de 2.000 habitantes, perfumados pela brisa do mar e seus coqueiros, onde o turismo de massa ainda não chegou é um grande achado, uma emoção boa, um presente especial que devemos tratar com muito carinho porque estão acabando. Jericoacoara acabou, Alter do Chão acabou, Pipa acabou, Porto de Galinhas acabou e Porto Seguro foi o primeiro a ser destruído por esse turista urbano, insano e voraz.
Jeri me provocou um grande tédio, uma sensação que não há mais nada para ver, mas Guajiru me deu aquele prazer de descobrir locais onde a vida se conta por detalhes.
Recifes provocam diferentes colorações na superfície do mar.
Detalhes das cores do mar, da forma e cor das algas, das piscinas entre corais onde pescadores catam polvo com a mão. Detalhes nas ruas de areia, nas rendeiras frente à almofada de bilros na varanda, nas inúmeras jangadas ancoradas na areia, na cor da pele do pescador...

O vento não para aqui, nem em praia alguma do Ceará. Niéde Guidon tem a teoria que foram os ventos do Ceará que trouxeram o homem da África para cá há 50 mil anos. E é esse vento constante que faz a marca do estado: dunas por todo o litoral, águas mornas, praias de orlas largas e retas, árvores de tronco inclinado que cresceram sob a pressão do vento. E uma brisa fresca que sopra por todo o dia deixando o ambiente muito confortável. E quando a noitinha chega, se vê os moradores colocando as cadeiras na frente da casa para um dedo de prosa e usufruir o frescor da noite.

Os terrenos em frente ao mar estão completos de mansões suntuosas e fechadas, a maioria pertencentes a europeus que com o cambio a favor, constroem pequenos castelos para aproveitarem seu mês de férias, mas,  a partir da segunda rua (Guajiru não tem mais que5 ou 6 ruas) as pessoas locais se apropriam do espaço para viver seu mundo, sua vida. Vida simples de casas de teto baixo, muitas flores nos quintais, poucos e pequenos mercados. Dois ou três restaurantes à beira mar se encarregam dos turistas com peixadas e moquecas grossas de leite de coco in natura. Resgatei uma lembrança perdida: em 1985 fui junto com a Marga para  o litoral de Alagoas. Fizemos Porto Calvo, Japaratinga e Maragogi, quando tudo aquilo eram apenas vilarejos perdidos. Na pensão (ainda não havia o conceito de pousada) de Japaratinga as cozinheiras extraiam o leite de coco duma maneira muito exótica. Será que consigo descrever? A lembrança é tão nítida!:
A garota estava sentada sobre uma estaca de madeira duns 50 cm de comprimento com um raspador curvo na ponta.  Ela inclinava o corpo e segurando um coco com uma das mãos, ia rodando-o no raspador. Numa bacia no chão caíam as raspas de coco. Tudo aquilo era espremido num pano donde saía o leite de coco de "primeira prensa"; o mais viscoso.
Não vi esse raspador em Guajiru, mas o leite de coco das peixadas, com certeza é da primeira prensa.
Caules tortos pelos ventos
Eu viveria alguns meses em Guajiru; confesso que estava fazendo as contas da viabilidade financeira disso e duma provável rotina lá. Seria um ambiente muito propício a escrever um livro, meditar e chegar mais perto da minha essência.
Imensidão de paisagem






24.4 - Ceará- E eu chorei por Jeri.

Jericoacoara está dentro de um parque nacional. Mesmo com o conceito de proteção, preservação e intangibilidade, o ritmo de uso do parque traz problemas ambientais a esse espaço com afluxo intenso e crescente de pessoas.

A horda de turistas que o visita não é das mais civilizadas. Pelo caminho, cruzando as dunas do parque, dentro de um veículo cadastrado para a rota, além da paisagem impressionante das dunas e de alguns jegues pastando, era possível ver garrafas de cerveja atiradas ao léu, embalagens e sacolas plásticas. Triste, mas principalmente preocupante. Jeri cresceu exponencialmente: passou de 100 mil visitantes ao ano em 2010 para 1,2 milhões em 2020; está na moda e isso traz um impacto ambiental considerável. O turista que visita Jeri tem o perfil da aventura. O exotismo do lugar não permite só contemplar e usufruir, é preciso consumir produtos que envolvam alguma adrenalina e muitas fotos para exibir em cada rede social. Esse é o mantra!!!!

Muitos produtos foram criados artificialmente para atrair esse consumidor moderno e superficial. Lagoas falsas à custa de drenagem de água de outros lugares com tobogãs de plástico colorido e tirolesas montadas sobre paus grosseiros e inseguros... decoração com flores de plásticos em galhos secos para o turista ser fotografado.
As flores de plástico eram mesmo necessárias? Foto de leydsviaja.com.br
Nos últimos meses foram inaugurados três locais totalmente artificiais, que são vendidos ao turista incauto como paraísos: o Buraco Azul - uma lagoa artificial, cavada abaixo do nível  en no mesmo estilo e piorado com, pasme você! uma cachoeira artificial, o Lagun Beach Club. O terceiro se chama The Alchymist Beach Club (com uma estrutura de resort) na Lagoa do Paraíso.

A vila de Jericoacoara está dentro do Parque Nacional de Jericoacoara e - está, por enquanto - imune a esses artificialismos caça-níqueis a Las Vegas. Então, os investidores usam as áreas vizinhas ao parque nos municípios limítrofes como Camocim, Cruz e Caiçara. Estes municípios arcam com o impacto negativo do turismo de massa, sem o bônus financeiro, concentrado em Jeri.

Ninguém mora na vila de Jericoacoara!
Ninguém! 
Durante a pandemia, quando o local foi fechado para o turismo por algumas semanas, tudo ficou em silencio, desértico. Dava para ver as estrelas no céu. Como a vila é pequena, todos os imóveis são ocupados pelos turistas; o preço do imóvel expulsou o pescador e o trabalhador para os vilarejos vizinhos. Quando se caminha cedinho pela vila percebe-se as jardineiras, buggies e motos chegando e trazendo os trabalhadores: garçonetes, atendentes de lojas, cozinheiros, arrumadeiras, motoristas, instrutores de kitesurf, todos chegando para cumprir seu papel na cadeia do turismo. Cadeia de baixos salários e concentradora de renda, com muita coisa em mãos do capital estrangeiro.

Nada sei da rede sanitária da vila. As pousadas e hotéis maiores usam poço artesiano. Fossa? Será que o lençol freático já está contaminado? Considerando que todo o espaço é plano e ao nível do mar, como fica o esgoto? Perguntas que ninguém faz.... A reciclagem é recente e há campanhas públicas estimulando-a.

500 toneladas de lixo reciclável por mês!!!!!

Por tudo isso, por conhecer o paraíso de 10 anos atrás, eu chorei por Jeri.


sexta-feira, 1 de outubro de 2021

24.3 - Ceará. Jericoacoara

10 anos!
Vim para cá como presente de aniversário em 2011 (eu acho) e estou retornando hoje. Nesses 10 anos Jeri explodiu: passou de 100 mil visitantes ao ano para 1,2 milhões. Como se a cada ano dobrasse o número de visitantes. Penso na estrutura sendo criada para suportar tal demanda. Estrutura como água potável, água para banho, logística de comida, de saneamento básico...
Na viagem passada eu sentia a presença de um gerente oculto porque tudo funcionava muito bem. Agora não sei....
Jeri era terra dos índios Tremembés. Viviam como nômades pois é difícil imaginar um aldeamento em meio a dunas com rala vegetação rasteira. Pertinho fica o rio Grubiú, hoje divisa de Camocim. Talvez pudesse ter algum aldeamento ao longo desse rio.
O primeiro europeu que aportou por aqui foi Vicente Pinzón, em 1499, na terceira viagem de Colombo, mas isso não consta dos registros oficiais.
Depois essa terra continuou intocada até que algum português apareceu e fundou o forte de Nossa Senhora do Rosário (1614). Em algum momento do século XX, formou-se uma vila de pescadores, pois a enseada do mar e o rio facilitavam a pesca.
Nos anos 70, o movimento de contracultura passa a valorizar os paraísos intocados, Jeri entrou nesse roteiro uns 20 anos depois. E não parou mais. Hoje é tudo, menos um espaço de contracultura... Inserida na sociedade de consumo até a medula, se tornou um espaço exibicionista da era das mídias sociais.



24.2 - Ceará - Camocim

Camocim é a última cidade a oeste do Ceará, já em fronteira com Barra Grande, no Piauí. Está a 350 km de Fortaleza, de onde viemos num carro alugado na Movida. Deu tudo errado nessa locação, nem sei por onde o caminho entortou.
Camocim tem mais de 60 mil habitantes e nos hospedamos num hotel pé na areia, na praia das Caraúbas. A orla de areia é extensa, dá preguiça de chegar no mar.