domingo, 21 de abril de 2019

19.3 - São Raimundo Nonato.

Pois é, tenho um carinho imenso por essa cidade. É um sentimento ambíguo: há momentos em que me pego torcendo para que ela consiga transpor seus desafios sem perder a ternura; noutros odeio seus dirigentes que deixam o esgoto a céu aberto trazendo urubus e um odor que machuca as narinas e dá vontade de chorar de desalento. Chorar quando se vê uma estação de tratamento de água enferrujando, porque a tubulação de distribuição de água não foi construída! De novo, o dinheiro sumiu.

Mas quando nasce a lua cheia sobre o céu limpo, sem nuvens, a temperatura cai e a brisa refresca é um dos céus mais bonitos a se contemplar. Seu povo é gentil, conversador, bem humorado. Contam suas histórias dum jeito saboroso. São religiosos também; os mais velhos, claro. As senhorinhas, todas miúdas, de tez amorenada, pele castigada pelo sol, testa largas, se enfeitam para ir a missa. Cantam e a igreja bate o sino, marcando os ritmos da cidade.

Nos alojamos no centro da cidade, no segundo andar com terraço de onde se tinha uma vista de 180º, da Catedral inclusive; da janela do escritório, na parede oposta, a outra metade do círculo do horizonte, quase em frente do Morro do Cruzeiro, onde o sol se despede tingindo o céu e a terra de ouro e púrpura. Há uma escadaria  de acesso com todas as estações da Via Sacra; esperávamos uma multidão de peregrinos na Sexta-Feira Santa. Ninguém!

Chegamos em fim de temporada das chuvas e num dia choveu 18 horas seguidas, com chuva pesada. Todo o centro ficou alagado, com uns 60 cm de água; então ficou claro porque algumas lojas tem um muro baixo na porta de entrada: é para conter a água nesses dias.

Por força do nosso trabalho, tivemos de analisar todos os contratos do governo federal com o município de São Raimundo (Portal da Transparência). Muitas irregularidades! O que incomodava era a conivência da população com esses desmandos. Uma quase aceitação de "que sempre foi assim, nada vai mudar".

Glória conversou com um rapaz que abriu um café- livraria, um respiro cultural na caatinga. Falou sobre a desmobilização da população, da pouca esperança que isso vá mudar... Hoje o municípo tem por volta de 35 mil habitantes, com 66% de sua população na zona urbana. É a cidade principal de uma das microrregiões do Piauí que engloba 21 municípios, todos com população vivendo na zona rural , abaixo da linha da pobreza.O IDH de São Raimundo é de 0,661 com 34% da população com emprego formal. A economia da cidade é de serviços, atuando como polo regional.

E o turismo, como se insere nessa realidade? Não impacta na economia como um todo, alguns setores são mais importantes que o turismo; aquele voltado ao comercio regional: os postos de gasolina,as distribuidoras de alimentos, as farmácias (céus! como existe farmácia nesta cidade!) contam mais que o turismo.

Em São Raimundo Nonato o impacto mais importante - percebido a médio prazo pela descoberta das pinturas rupestres - foi o aspecto cultural, apesar de ser claro que essas pessoas escalam um novo patamar de renda ao agregarem cultura em sua vida. Ao permitir que centenas, talvez alguns milhares de jovens trabalhassem em ações no parque, quer auxiliando escavações, transcrevendo informações, protegendo pinturas, nas guaritas, nas patrulhas de vigilância, dirigindo veículos, sendo condutores de turistas lhes foi permitido ampliar o universo cultural e perceber que a cultura poderia ser um bem acessível e de imenso valor. A chegada de universidades gratuitas na área ampliou muito as possibilidades.

Concluindo,estar trabalhando em atividades ligadas ao parque é bom para essas pessoas e suas famílias. Mas são poucos: somando as famílias dos condutores, aquelas que trabalham no ICMBio,na Fumdham, nas pousadas,na cerâmica, consigo fechar uma conta otimista de 300 famílias turismo-dependentes, isto é 4% da população.

É pouco, não conta!

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