quarta-feira, 24 de abril de 2019

19.4 - Despedindo-se do Piauí

Depois de 26 dias no Piauí, era hora de voltar. Nunca entrei tão fundo num estado como nesse; estudei seus indicadores, li seus jornais, falei com suas pessoas. Gente boa, que gosta de conversar e te ajudar. É um estado particularmente cruel, além do clima semiárido, com secas prolongadas, tem a mais elevada concentração de renda e um gap muito profundo entre ricos e pobres. À exceção de Teresina, Parnaíba, Picos, Piri-piri e Floriano, não há mais classe média. Todo o resto é pobreza, miséria piorada desde o golpe de 2017, quando milhões voltaram a viver abaixo da linha da pobreza. Na microrregião de São Raimundo Nonato perto de 60% das pessoas vivem abaixo dessa linha. Dá uma tristeza! Dá uma revolta! Dá uma indignação! Aqui, a elite política se confunde com a elite do dinheiro.São os mesmos, cujas famílias herdaram as grandes terras com que Portugal premiou os que daqui se apossaram em seu nome.

Ficamos um dia a mais em São Raimundo Nonato e abrimos mão de conhecer um pouco mais de Juazeiro. Ainda havia trabalho a fazer.Optamos por voltarmos de ônibus da Viação Gontijo. Nos preparamos para uma viagem inóspita, mas foi confortável. A boa notícia é que estão asfaltando a estrada de Remanso. O trajeto foi SRN - pela PI-324 até Dirceu Arcoverde. Almoçamos lá, em um restaurante no meio do nada. O cardápio é sempre o mesmo feijão-tropeiro, arroz, churrasco de carneiro, vinagrete... baratinho: R$ 13,00. Depois, Remanso, já no estado da Bahia. Mais duas horas - agora em estrada asfaltada até Casa Nova, onde a Miolo tem metade de sua produção de uva. Ainda na Bahia, atravessamos Santana do Sobrado,à beira da represa de Sobradinho. Escurecia quando atravessamos a fronteira Bahia-Pernambuco e chegamos a Petrolina.

A cidade, graças à irrigação do rio São Francisco e sua gigantesca produção de frutas está cada dia mais rica (e mais pobre), suntuosa e exibicionista. prédios mais e mais altos, formas exóticas; a orla querendo ser praia. Era segunda-feira e a maioria dos restaurantes estava fechada, a gente queria fugir um pouco do Bodódromo, mas não houve como escapar. O legal é que encontramos os dois melhores vinhos produzidos na região: o Testardi, um syrah da Miolo, e o Paralelo 8, um blend da Rio Sol. Não deu tempo de saber como a viticultura e a enologia estão avançando por lá. Parece que não há nada de novo; estes vinhos são conhecidos há 10 anos. Depois, há a linha básica de varietais. Mas não é muito comum achar vinhos locais em Petrolina. No shopping há um supermercado onde eles estão disponíveis e, segundo nos contaram, em um hotel há outra adega disponível. Petrolina produz para o mundo e não para seus moradores.

domingo, 21 de abril de 2019

19.3 - São Raimundo Nonato.

Pois é, tenho um carinho imenso por essa cidade. É um sentimento ambíguo: há momentos em que me pego torcendo para que ela consiga transpor seus desafios sem perder a ternura; noutros odeio seus dirigentes que deixam o esgoto a céu aberto trazendo urubus e um odor que machuca as narinas e dá vontade de chorar de desalento. Chorar quando se vê uma estação de tratamento de água enferrujando, porque a tubulação de distribuição de água não foi construída! De novo, o dinheiro sumiu.

Mas quando nasce a lua cheia sobre o céu limpo, sem nuvens, a temperatura cai e a brisa refresca é um dos céus mais bonitos a se contemplar. Seu povo é gentil, conversador, bem humorado. Contam suas histórias dum jeito saboroso. São religiosos também; os mais velhos, claro. As senhorinhas, todas miúdas, de tez amorenada, pele castigada pelo sol, testa largas, se enfeitam para ir a missa. Cantam e a igreja bate o sino, marcando os ritmos da cidade.

Nos alojamos no centro da cidade, no segundo andar com terraço de onde se tinha uma vista de 180º, da Catedral inclusive; da janela do escritório, na parede oposta, a outra metade do círculo do horizonte, quase em frente do Morro do Cruzeiro, onde o sol se despede tingindo o céu e a terra de ouro e púrpura. Há uma escadaria  de acesso com todas as estações da Via Sacra; esperávamos uma multidão de peregrinos na Sexta-Feira Santa. Ninguém!

Chegamos em fim de temporada das chuvas e num dia choveu 18 horas seguidas, com chuva pesada. Todo o centro ficou alagado, com uns 60 cm de água; então ficou claro porque algumas lojas tem um muro baixo na porta de entrada: é para conter a água nesses dias.

Por força do nosso trabalho, tivemos de analisar todos os contratos do governo federal com o município de São Raimundo (Portal da Transparência). Muitas irregularidades! O que incomodava era a conivência da população com esses desmandos. Uma quase aceitação de "que sempre foi assim, nada vai mudar".

Glória conversou com um rapaz que abriu um café- livraria, um respiro cultural na caatinga. Falou sobre a desmobilização da população, da pouca esperança que isso vá mudar... Hoje o municípo tem por volta de 35 mil habitantes, com 66% de sua população na zona urbana. É a cidade principal de uma das microrregiões do Piauí que engloba 21 municípios, todos com população vivendo na zona rural , abaixo da linha da pobreza.O IDH de São Raimundo é de 0,661 com 34% da população com emprego formal. A economia da cidade é de serviços, atuando como polo regional.

E o turismo, como se insere nessa realidade? Não impacta na economia como um todo, alguns setores são mais importantes que o turismo; aquele voltado ao comercio regional: os postos de gasolina,as distribuidoras de alimentos, as farmácias (céus! como existe farmácia nesta cidade!) contam mais que o turismo.

Em São Raimundo Nonato o impacto mais importante - percebido a médio prazo pela descoberta das pinturas rupestres - foi o aspecto cultural, apesar de ser claro que essas pessoas escalam um novo patamar de renda ao agregarem cultura em sua vida. Ao permitir que centenas, talvez alguns milhares de jovens trabalhassem em ações no parque, quer auxiliando escavações, transcrevendo informações, protegendo pinturas, nas guaritas, nas patrulhas de vigilância, dirigindo veículos, sendo condutores de turistas lhes foi permitido ampliar o universo cultural e perceber que a cultura poderia ser um bem acessível e de imenso valor. A chegada de universidades gratuitas na área ampliou muito as possibilidades.

Concluindo,estar trabalhando em atividades ligadas ao parque é bom para essas pessoas e suas famílias. Mas são poucos: somando as famílias dos condutores, aquelas que trabalham no ICMBio,na Fumdham, nas pousadas,na cerâmica, consigo fechar uma conta otimista de 300 famílias turismo-dependentes, isto é 4% da população.

É pouco, não conta!

sábado, 20 de abril de 2019

19.2 - O que se come, o que nós comemos no Piauí

Os hábitos alimentares de um grupo estão diretamente ligado ao que há disponível, ao que a região produz em sua agricultura ou ao que chegam aos mercados. O semiárido do Piauí é pobre em oferta de alimentos, então sua culinária é pobre e monótona, mas nós - que agregamos a nossa experiencia uma diversidade gastronômica de várias culturas, fizemos uma culinária refinada lá.

Vamos por partes:
O que encontramos no mercado e feiras:
-Carnes: carneiro fresco, cabrito fresco e porco fresco. Orgânicos, criados soltos na natureza. Carne-de-solHavia também galinha caipira, mas nen deu tempo de consumi-la.
- Ovos: ovos caipiras,de gema amarela, um pouco menores e casca mais resistente.
- Verduras e Legumes: Abóbora, Melancia, Quiabo, Abacaxi, Mandioca, Batata-doce, feijão de corda, pimneta-de-cheiro, pimenta-r0xa e pimentão.
- Do CEASA de Juazeiro - BA, chegavam 1 ou 2 x por semana, batata, repolho, tomate, cheiro-verde, folhas verdes... Viajavam 300 km de Juazeiro a SRN e sei lá quantos até o mercado de Juazeiro.
- Supermercado: Tapioca, arroz, sal, acúçar, café, óleo, azeite (Andorinha ou Galo), frango congelado, produtos de limpeza e higiene. Preços razoáveis, parecidos com os supermercados daqui do sul.
- Mercado: polvilho em várias granulações (o nome regional para o polvilho é tapioca), goma de tapioca, farinha de mandioca de várias granulações e também a farinha amarela, que deve ser (preciso confirmar) se é colorida com cúrcuma. Mel, manteiga-de-garrafa, doce de buriti vendidos em caixinhas de madeira de 500 gramos. Não vi doce de umbu (nem procurei, é verdade!). Muitas ervas medicinais e também não me interessei muito por elas. Faz falta um conhecimento mais cartesiano sobre medicina natural e fitoterapia.
- Padaria: pão frances, pão doce, pão de queijo mineiro. pão de queijo do Piauí( maior, mais borrachudo, parecendo um chapéu amassado) e o PETA,  um maravilhoso biscoito de polvilho sequinho, em forma de cobra, que foi a nossa piéce de resistence quando a fome chegava em horários incertos.

De posse dessa realidade e com nossa habilidade culinária conseguida nessas dezenas de anos de treinos em nossas cozinhas, vivemos por quase 4 semanas no seguinte esquema:
- café da manhã:
banana com aveia, omelete, sanduíche de pão com queijo de cabra (iguaria produzida pela Jade!), crepioca, tapioca recheada com queijo e ovos, ou queijo e abacate ou ainda ovo e abacate.Nosso café era tarde, lá pelas 10 horas, farto, lento e acompanhado de muita conversa.
- almoço
nossa fome vinha tarde. Muitas vezes fomos almoçar no restaurante Homus, a duas quadro de casa, com um ar condicionado fraquinho que dava um refresco no ambiente. Lá tinha sempre feijão de corda envolvido em farinha amarela, arroz branco, galinha caipira ao molho, mandioca ao molho, carne de porco e alguma carne de vaca... salada de alface, repolho e tomate...
- Arrumadinho:  é o nome local para o nosso PF. A comida vem arrumadinha no prato: arroz, feijão com farinha amarela, espetinho de frango ou carne, creme de milho e salada de tomate, cebola e pimentão picados em cubos.

19.1 - Piauí - Teresina

Todo mundo torce o nariz quando falamos que vamos ao Piauí.
- Mas lá nem praia tem! Ouço isso com muita frequência. Mas fazemos escolhas... Desta vez decidi ir para a Serra da Capivara por Teresina. Além de conhecer a cidade precisava fazer duas entrevistas.

Os voos para Teresina sempre chegam de madrugada - por volta das duas da manhã - porque (e soubemos depois) é mais barato para as aeronaves pernoitarem no aeroporto local. Ficamos no Ibis, no quadrilátero da saúde, em meio a muitas clínicas e hospitais. Teresina é referencia regional para tratamento de saúde, tanto para o Piauí quanto para o interior do Ceará e Maranhão. Encontrei-me com Gloria lá na madrugada de domingo. Saímos do hotel de manhã a buscar uma padaria para o café da manhã. Qual não foi nossa surpresa por encontrá-las todas fechadas.

Então decidimos ir até o Museu Histórico do Piauí. Museu pequeno e pouco explicativo, não acrescentou nada. Tentamos!

Museu de História do Piauí
Daí fomos para o ponto turístico da cidade: o local onde o rio Poti deságua no rio Parnaíba.
O caminho foi feito por uma avenida que corre à margem esquerda do Parnaíba. E do outro lado é o Maranhão, a cidade de Timor. É esse rio que faz a divisa entre os estados. Nem sabia. Tem que viajar para saber das coisas.

Encontro das Águas - Marrom é o rio Poti, a azul é rio Parnaíba, a terra verde ao fundo já é o Maranhão

Gloria e eu no encontro dos rios, em Teresina.
No local há um restaurante flutuante com pratos a base de peixe de rio: só me lembro do Tambaqui. Servem como caldeirada, acompanhada de arroz e farofa. Preço bom. Sem dendê, nem leite de coco. Contíguos, uns 300 metros à frente achamos o Polo Ceramista de Teresina.  São algumas dezenas de oficinas, uma ao lado da outra. As oficinas ficam atrás e as lojas na frente. Há uma cerâmica comercial, pintada, sem apelo. Mas aqui e ali, pode-se garimpar peças muito interessantes. As melhores delas são as panelas de barro, vendidas ao tom do barro natural que há anos procuro. Inútil encontrá-las. Como comprar no primeiro dia de viagem?

Mas encontrei uns sinos de vento com peças pequenas, que coube na mala. Tou levando. Pendurar na varanda da Casa das Hortênsias. Fim de tarde, hora de voltar para o hotel. Ah! choveu nesta tarde em Teresina. As chuvas aqui começam em novembro e vão até março, começo de abril. São estações bem marcadas: Chuva (o inverno) e Seca (o verão).

Teresina é uma cidade integrada ao Brasil, tem um IDH = 0,751,o que me surpreendeu. O PIB/capita também é alto = 22.597.62. Igual ao de Pinda, a cidade em que vivo. 62% de saneamento... O problema é a concentração de renda. Pouca gente muito rica para muita gente pobre... E a oligarquia econômica se confunde com a oligarquia politica. São os mesmos e continuam os mesmos com os casamentos entre os iguais. Como na realiza europeia, onde príncipe casava com princesa! Só para ilustrar isso, a construtora que ganhou a concorrência para construir o aeroporto da Capivara pertence a um senador!

Dia seguinte, vamos trabalhar: fomos até a Universidade Federal do Piauí para nos encontrar com Dra. Maria Conceição Lage, do Departamento de Arqueologia da Universidade. É disso que a gente gosta de falar. Além de toda a história da Capivara, se confirmou o que já intuíamos: o \piauí é um estado com profunda riqueza fóssil no estado inteiro. Onde se cava. se encontra algo. Então soubemos da floresta fóssil de Teresina, formada no período Permiano!
Depois fomos conhecer o Museu de Arqueologia da Universidade